porque eu não me movi quando tocou mayara e maraísa


Há sim a fumaça dos cigarros que é interceptada pelas luzes e espirala colorida como pinceladas do Van Gogh enquanto eu disfarço que te consumo, recolhendo imagens de ti no chiaroscuro dos flashes que te materializam pra fora da arruaça indistinta do nada. Há também o som estourado que reverbera tonitruante e com mãos de ogã faz ilú dos meus tímpanos. Talvez disseram uma coisa certa em torno de toda a história da hiperestesia dos poetas. Depois de anos de teatro do absurdo não tenho mais saco pra rasgação de qualquer sabor que seja, sejam quais sejam os atores, essa gente com o tapa da mãe necrosado na bunda, sai fora, só saburra. Eu o pior de todos.

Giro e observo meu copo de cerveja como um sommelier, sinto a flor do arroz e do trigo, cogito ir pra rua, me pègo pego pelo cansaço, ergo o olhar e cê vem lento, ferino-felino na direção e orientação que é minha só que não a mim, não ao meu d’encontro-a, buscando qualquer coisa ao meu redor. Colado, porém alheio, canta e dança teu corpo no éter pastoso dessa noite suada à procura de outros corpos e bocas e as encontra na varanda do meu olhar. Na tentativa de não ver acabo assistindo e sou mais uma vez voyeur, mais uma vez zoiúdo, ai de mim, mais uma vez apreciando a decoração e rindo de nervoso, mais uma vez cão de rua sob frangos de padaria, suculentos, oleosos, girando nas varas e gotejando sumo no fundo da máquina; quando me percebo afasto os olhos da vitrine temendo um chute que me expulse da calçada e com o rabo entre as pernas ainda consigo ouvir seus gemidos de fundo de garganta por baixo da música sertaneja e dos gritos. Vou embora, variado, um vira-lata sem latidos.

Sumo pros balcões, encho meu copo mais uma vez e lembro de como é gentil e é nobre e eu aqui rastejando, obcecado e desrespeitoso, te transformando em carne, objeto e fluidos; Dolly é o nome do clone de ti em mim que criei pra brincar como com um boneco enquanto seu eu real desliza entre os toques e salivas de mulheres. Lembro, no meu primeiro dia aqui conversou comigo, e real-lembro que me abraçou simpático e solícito, apresentando, abrindo. O erro, já que desde-já quero mais do que há e perco o que é que talvez exista entre os braços que apertaram sem-acariciar as minhas costas, não, acariciaram; o que é que de fato existe, um ser buliçoso e em ebulição, água que não se coará por mim, café que não amargará o interior dos meus lábios.

Lembro também de depois, na outra vez que fui na sua casa, bêbados ambos, lançados, e seus dedos deslizaram sobre a costura do meu bolso quando foi pro banheiro por trás de mim e ainda me lembrei de antes quando outro como a ti colocou a mão na depressão entre minha coxa e minha nádega esquerda, o vão esguio, dizendo não mais me esquecer, se dizendo incapaz, mas com todos, todos, só isso, o toque, só o toque-primícia, o limite: por osmose suguei todo o interesse ou todo o acaso ou todo o delírio, não sei, eu acho, não tenho mais como saber, todo o tesão, e agora seguro a âncora e a ponta da corrente; seguro, junto a uma caneta destampada, a cartela dos números que nunca serão cantados; seguro a senha que já chamaram no açougue esperando que um dia seja a próxima; seguro sentado um folheto empoeirado dentro dum teatro demolido, impaciente pelo espetáculo; seguro os alpes chilenos esperando que os continentes se juntem novamente do outro lado. Ou internalizo, de qualquer forma é muito-mal. Procuro o sentido das coisas como se procurasse um quartinho que deixei cair num chão de concreto. E tudo é a extensão do mesmo. A ponta já arenosa dos meus dedos se cansaram de confirmar a materialidade das coisas.

Tô ansioso, tô retroativa-e-mentirosamente nu na praia às vésperas do descobrimento, tô viadinho-egóico-Alexandre a grandona na tumba de Aquiles, tô aquelas bixinhas qua-qua-quá esperando a vez de tirar foto numa parede de neon, tô aquelas bixinhas lé-sem-cré fazendo chuca toda vez que caga na esperança mais-que-esparça, tô Lua alva e virginal esperando o toque íntimo de Apollo 11, tô aqui eu e te vendo agora segurando ela como eu queria que me segurasse, sentando ela no colo onde descanso a inquietação dos meus pensamentos, com ela ao seu regaço como eu queria desbicar em tromba-d’água, seus corpos colados sem espaço algum onde eu possa repousar num relevo de sobra, minúsculo e malquisto; mas se houvesse um único átomo que por piedade cedesse espaço pra minha entrada acelerada eu me rastejaria à fissura, eu rasgando adentro avental e tudo trazendo o fermento, a cabaça e o trigo, pelos vãos das minhas mãos escorreria, e dividiria o pão, pr’ocê e pel’ocê eu dividiria tudo, tudo, tudo, tudo, nós mais ela mais mil mais todos que viessem e fossem, nós como um ninho de ratos sujos, molhados e chiando, ouviriam nossos uivos e esguinchos pelos canos do apartamento, ouviriam nossa morte agonizante e emaranhada; mas eu não sou o que cê sabe que quer e diz que quer e sei bem disso bebericando minha cerveja que já esquentou ou eu que já esfriei e sei que amanhã e em todas as manhãs que houverem só tarei ─ isso se eu tiver ─me alimentando com o brilho das suas fotos na tela do meu celular, esperando, especulando, maldando o dado e tido.

Nem mesmo o escuro do negativo dos flashes é tão escuro quanto seus grandes olhos de jabuticaba, seus grandes e negros olhos e traços, sua íris raptando a luz da sua esclera e a distorcendo em um milhão de outras cores nesse horizonte-de-eventos anelado, e seu sorriso: só resta isso d’ocê desaparecendo listra por listra dos meus sonhos infanto-juvenis. O macho é um crepúsculo polar. Acho que cê é a rebordosa em mim do romantismo ainda no mundo.

Mas eu sei que não é culpa sua, sei sim, tô sabendo, cê não tem nada a ver com isso, cê tá isento, cê nem sabe, fui eu que criei minhas paranoias sozinho nos vãos da sua educação lisonjeira e polidez e talvez algo mais, talvez alguma coisinha que eu posso pescar, mas não; posso tentar fingir que não é culpa minha também, enchendo de novo o copo, tirando a garrafa da mão da anfitriã, esse litro é meu, essas músicas são insuportáveis porque me lembram de casa na Sapalo dos grandes e que me lembram, por-vez, que cê não é o primeiro nisso, que cê sequer é o único agora, e sou obrigado a contemplar porque sou assim, por quê? Faltam e sobram de mim os domos, pilares e vitrais para ser uma das catedrais em que se ajoelha catequizado, faltam e sobram em mim as caraterísticas largas do unissex universal por-sobre o qual fazer uma escolha laminada, assim mesmo, mesmo-assim, rasgo o sino em seu chamado, tô aqui, veja, tô a pino, porque eu sou um Ícaro cliché montado em cera e voando mais alto, mas no alto mesmo vai ficando mais frio e o sol tá tão incomensuravelmente longe, cara, cairei sem derreter, desesperado por uma epifania, porque…

Passo o cigarro e me pergunto, existe uma chance ─mesmo que mínima ─ de ser real? Existe a chance de que cê me quer e que disfarça, cavalgando a pelo sua negação, e que a gente tá aqui como dois imãs que se atraem e se prendem através do vidro, será que a nóia é inversa, será essa síndrome minha de criança-feia? Cê solta ela, cê finalmente a deixa respirar, mas ela, que é extremamente bela, recede ao seu enleio, te preferindo ao próprio fôlego enquanto eu penso e peso se me quer ou rejeita e no fundo mesmo qualquer tesão valia, qualquer coisa menos nojo ou pena, ou preguiça, qualquer porta pra fora do limbo, qualquer migalha leve o suficiente pra eu carregar comigo com minha insistência de formiga. Mas fico sóbrio só por um segundo e sei que a discussão é fodidamente paradoxal, me autodiagnostico com erotomania, película granulada e tudo, tô só me iludindo projetando essas coisas n’ocê. Mas não, também, o problema da cultura é justamente esse, não-poucas vezes me passaram de louco e, depois, no pega-pra-capar, não, nem tanto. A realidade me acarinha e me conforta quando não pode ser mais íntima, quando não pode me foder.

Me mantenho pendurado nas suas bordas pelas unhas e cê se esfacela de mim pra que eu caia. Eu é que nego o real, então, o físico, a fala, as pistas, os dados, a favor ou contra, e prefiro o limbo, prefiro a quebração punhetopoética. Como com outro ontem que vi sentado entre as videiras e os pardais, fazendo de lira angelical a caneca vermelha do RU, vermelhos os olhos, também, me secando. Como com aquele que entrou no ponto do Pão de Queijo no busão do Alto do Rosário, por quem nasci e morri a cada parada. Como segunda e quarta o olhando trabalhar no terreno ao lado pela minha porta da cozinha, o trabalhador, observado, contido, contente. Como onze anos atrás sentados na piazza do meu prédio me mostrando uma de suas Playboys, apontava, tocava o papel, mostrando minúcias fotográficas que ignorei pois meu olhar não saía das silhuetas dos seus dedos e enquanto ficou aqui eu o acordava como um irmãozinho, éramos próximos, quase família; mas quando foi embora, quando ficou famoso, quando já engenheiro e foi pra Europa, quando noivou e agora tem três filhos; enquanto boatos coroados com seu nome se espalharam nos três vértices mineiros eu continuei aqui tirando o cu e a cara dos tapas como uma freira da religião em sua honra. Como no retiro ignorando as palavras do padre e queimando todo o santo do meu espírito imaginando todas as formas dele dizer não o Dele mas o meu nome depois de ter acabado, pingando fungante em cima de mim. Como na aula de geografia na quinta série, vendo as apresentações em pé, contrabalanceando o seu peso enquanto me encoxava pra me dizer depois no meu ouvido que eu era gostoso mas que fedia. Como eles mil outros e seus olhares interceptados, sedentos, incorrespondidos, segurando todos a heterossexualidade como katanas no meu estômago e eu gritava em mim, vai, mete, encontra o corte de fora com os rasgos de dentro, não há justiça ou piedade no desejo, e, não obstante, não distantemente da verve primeira, virava os olhos, vergonhoso, entediado, tô nessa por cena e isso é coisa que não se leva a sério, não os respeito e às vezes espero que retribuam, que numa noite qualquer me espanquem na cama ou na rua porque com qualquer toque eu ia gritar de prazer. Ou bocejar, o importante é o abrir da boca, especulo. Como no banheiro da escola quando eu abri o box e meu nariz bateu no seu peito brincando que me foderia ali mesmo, só-brincando, tendo por segunda voz os risos do nosso amigo, e talvez esse foi nosso problema, imagino, platéia demais, piadas demais, culpa demais, tivéssemos sozinhos talvez eu fosse, tivéssemos sem-graça, assim talvez eu calasse nossos tons de ironia que usávamos pra mascarar nossa vontade porque era óbvio e era mais-que patético, pode ser que se tivéssemos sozinhos teríamos feito no chão úmido, pode ser que fodêssemos a tarde toda, o mês inteiro, fazendo de lar o banheiro público cheirando a desinfetante e urina, ou pode ser que se tivéssemos sozinhos eu te empurraria como fiz e sairia correndo, covardemente xingando com as pernas bambas. Essa foi a última vez que meu tesão tocou em outro antes de cair sozinho no meio-fio sem tempo de pensar em proteger o crânio; depois bilhetes e cartas, pedi desculpas porque achei que saberia que por isso era especial, que eu era intratável mas queria tanto, tanto, só que as cartas acabaram, e mesmo se não tivessem eu não sei se gostaria de saber os endereços onde as enviar.

Tá cantando agora no microfone e me faz sorrir pensando que não está aqui na minha cabeça. Com os outros era diferente, pelo menos com algum era, mas eu nunca sei, são todos só um. Quero de verdade ir lá e falar oi direito e pedir desculpas, moço, desculpa aí, cê nem me conhece direito e tal, já é um costume da casa e daqui a pouco passa, queria muito mesmo ser seu amigo, cê existe como existe e basta, não tem segredo, não tem nada além, mas cê canta feliz e eu espero que seja realmente feliz e não saiba de nada do que sussurro e afogo de manhã em copos de café, só o rejunte ao redor do ralo sabe o quanto eu te amei, já sonhei contigo tantas noites, te intercalando com outros rostos e outros nomes, todos a metamorfose da mesma inacessibilidade, todos o impossível em implosão, um compilado monstruoso de faces moventes compondo a Hidra fálica que corto as cabeças com dentes e olho extasiado o crescer tentacular dos novos membros. E um dia chegará ─ realmente creio, chegará um dia ─ em que eu não saberei o nome de nenhum d’ocês e infeliz de mim num harém-inverso de sonhos úmidos terei de apelidar todos de LL Cool J; escolherei diariamente minha fixação de olhos fechados como quem escolhe num quarto escuro um par de meias na gaveta.

Queria poder dizer que cê é único, doutor, poder ser franco em dizer que o que sinto é sincero e lindo e tão puro quanto amor de mãe e que quero segurar sua mão em uma parada gay qualquer desejando para nós uma bela família burguesa, que se cê me aceitasse nossa filha adotiva se chamaria Mathilda e lideraria comunalmente a revolução do proletariado, mas não consigo mentir agora sob a luz vermelha da fila do banheiro, tudo o que eu queria mesmo eram três horas nos bancos traseiros e depois só parceria de vizinhos de gramado nos filmes de sessão da tarde, discussões gritadas, moitas em comum. De anel só os da fumaça dos charutos se entrenhando cada vez mais fundo no espesso-macio da sua barba, e o meu, que seria seu, se cê quisesse.

Me coloco conscioso, sou evocado de volta à minha corporeidade, desassisto meus sonhos. Outra música, melhor. Não há nada depois ou antes disso, vejo, quando chego mais perto, não entendo a mensagem, não pergunto se há ao vazio, não pergunto se não à presença, limpo o susto com um gole, rebolo, volto a rebolar percebendo que tinha parado, remotamente alavancando meu regresso.

Me vê. Enquanto me movo, me vê. Mas a verdade é que, a essa altura e nesse álcool, só-agora depois de tudo e tanto, não vale. Eu não preciso de talentos. Não tenho tesão de-que me admirem. O chamarei, assim, na rispidez do relaxo, de Nonada, ninguém, um de uma série de mesmos, vou de bingewatching.

Talvez o que eu queria mesmo era deitar no teu colo assistindo Melancholia com cê passando a mão no meu cabelo, cafunés e romancinho de novela enquanto eu choro um olho de cada vez porque a experiência humana é trágica mesmo, bla-bla-bla, tão foda, esse planeta nunca bate, velho, nada acaba, o fascistinha do Wagner ecoando no vazio de mim como pensamos que as conchas ressoam o barulho do mar, mas somos só nós mesmos, nossas vísceras e sangue chiando como ondas; ou o mundo lá fora ressoando distorcido pra entrar sussurrando na gente, fritando nossa cabeça por indução. E na outra manhã, nós, quasi-helênicos pois ptolomaicos, pretensos cidadãos soviéticos porque pretos comunistas, ainda na sala eu te mostro toda a cultura erudita que cultivei no solo fértil da minha promiscuidade renegada e preterida, pela janela as torres das igrejas nos vigiariam e nos prenderiam em casa por vergonha e seus olhos tensos, seus, tão negros quanto o céu que olho agora ─ já bebi dois dígitos desse líquido e meu copo tá rachado o copo que eu botei embaixo do meu copo tá rachando e o copo debaixo desse também ─, seus olhos me pediriam toda a ternura e eu diria sim, sim, claro, e te daria qualquer coisa que me pedisse em linguagem humana, aos seus pés mil-presentes, mas não posso negar que nunca me pedirá nada assim como não nego que minha visão ainda se perde e eu me perco na floresta dos pelos protuberando pelo tecido justo no seu peito denso e que por favor não exijo tratamento especial, nunca, seria para ti o que nenhuma delas assumiria querer, seria só um pedaço de carne jogado entre a cama e o criado-mudo ─ não o chamam assim mais, suponho ─, só um fleshlight, só queria te dar cãibras nos pés na hora do gozo e fazer de metafísica o suor de nossos corpos entre as metidas de cuja fisicalidade ─ chega, é o suficiente ─; lá, no seu quarto, no seu altar de deuses socialistas, e aqui fora também, cowboy, só nós, os morros, as ovelhas balindo cantigas antigas e o leitoso céu reprovando nossa volúpia exibicionista, aí eu quebraria todos meus princípios e escreveria em versos ao redor dos seus mamilos.

De súbito sinto uma mão surfando de cima pra baixo pelas ondas da minha coluna, lentamente me lambendo por cima da roupa, arrepio e olho-pra, é. Sim. Disfarçado no fato de que já tá bêbado o-suficiente ou justamente disfarçando o fardo de fingir que tá. Olho mal. Recuso. Não, não assim. Se afasta.

Mas é aí que tá: o devir me toca com lábios de música acústica de novo e cerveja quente e me vejo te usando uma última vez em ode futura, num mal tesão reciclado em má arte. Mas é o fim da festa. Te sinto recedendo de mim na direção-mesma e na orientação-oposta do meu movimento, não te sinto mais, não me te-lembro.

Qual? Devo sair sem acenos, melhor pra mim, aqui me sinto patético movendo o meu corpo, tô me sentindo cansado, hora de levantar cadeiras e jogar sal-grosso. Só sentarei no chão da praça e comerei as folhas do Jardim. Paguei vinte reais nesse rock por um sentimento de derrota que não é culpa de ninguém, e o open ─ que aí já é culpa minha.

O vento de fora me acerta no queixo e eu percebo o meu ridículo, no inverno meu belinho embaraçado y yo embarazado por minhas ideias também tarem assim, já quero te pedir desculpas por aquilo que não te disse, mas a rua é descida forte e eu tô caindo para frente.

O que foi que eu pensei antes de vir pra cá? Essa arquitetura barroca me faz desejar uma vida boêmia, então finjo que tô em Paris carregando manuscritos nos bolsos e os cheiros de mijo e mofo me convencem que sim. Será que durarei? Será que achei que deixaria minha cordialidade principesca e minhas taras na rodoviária?

Não, não, a lua tá amarelando a noite e eu sou mais um bêbado cantando no Jardim, isso tudo vem junto de mim nas minhas malas e caixas de livros, são meus marca-páginas, são minhas traças prateadas, são as malditas frases que grifei. Não dá para acenar da janela do ônibus a mim mesmo, tive que vir junto.

O que me salva, o que vai me salvar, espero, tenho fé-que, é que viado-sertanejeiro já não me serve, comigo é de bixa-Sidoka pra cima, com risquinho na sobrancelha no mínimo. Tô cansado de rodeios, Torero, o que eu tenho é tédio.

Que essa sua essência sicofanta da classe-dominante por-meio da classe-dominante, essa sua estèticazinha de assimilado e a mediocridade brega que ela prega me dá náuseas e febris acuta e sou curado d’ocê conquanto cê se seja. Se eu não gostava de sertanejo no interior-paulista, não é aqui nem agora que eu vou gostar.

Mas, se quer saber, feminejo não é tão ruim quanto. Feminejo é bem malicioso e mauve, o que a mim me gusta, mesmo assim não me move. A facilidade é uma coisa que eu finjo em mim como se-fosse. No fim das contas, ao meu querer, sou imovível. Ninguém merece perceber que sua voz-estridente é ainda estridente mesmo dentro do esteio tão-simples dessas oitavas, cê canta mal. Cê é violeiro veterano de rodinha-de-legião-urbana e nem assim. Cê beija mal, vi da onde eu tava. Cê transa mal, ouvi falar, fui obrigado a ouvir ─ o que não é o que se espera de quem tem o piruzim em tamanico pra compensar, também fiquei sabendo, pro espanto do que é correto ou político.

Espero que não saiba. Eu, enquanto raposa, não vou te dar moral nenhuma pr’ocê botar de itálico na barra do texto. Eu, enquanto raposa, sou lobo-guará.

Essa porra dessa cidade é não-euclidiana, certeza. Se cê quiser mijar na rua ─ e cê vai querer ─ é melhor que uma das suas pernas teja completamente agachada enquanto a outra tensiona a panturrilha a pino. Caso contrário, ou cê vai cair pra frente ou o jato vai respingar na sua cara, é o dito, o ser humano tem que ficar praticamente perpendicular.

Solto meu mijão e o calor é bem-vindo, algo ainda queima dentro de mim, agradeço a essa caldeira. Faço comigo a piada de não-repara-na-bagunça e passo pelo viaduto do Catete cantando Comme Ils Disent a plenos pulmões, só cantarei pelo resto da noite, chega, não há nada a ser dito. Mas eu tento.

2017 maio 


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