MELANCHOLIA (2011) & DON’T LOOK UP (2021)

 


<fundo preto>

<texto>

Alerta de conteúdo: depressão e ansiedade; su!cíd!o (literal, metafórico, metafísico); discussões problemáticas sobre saúde mental; discussões sem-diploma sobre medicações psiquiátricas e psiquiatria em geral; linguagem psicofóbica; cinefilia cringe, qualquer tipo de cinefilia; lógica e fatos; ironia, ‘humor’ e satire.

</texto>


<texto>

As informações e opiniões aqui manifestas não substituem em nenhuma hipótese qualquer [por mais fuleiro] parecer médico profissional. Sempre consulte o seu provedor de serviços de saúde sobre todos os assuntos relativos ao seu bem estar e aos tratamentos e medicamentos tomados por você ou pelas pessoas que recebem seus cuidados .

</texto>


<texto>

O presente vídeo trata de assuntos diretamente relacionados à ideação su!cida e o su!cídio, intentando, exclusivamente, servir para os fins de entretenimento e análise de mídia. Nada aqui discutido tem aconselhamento terapêutico ou divulgação científica como objetivo. Nenhuma afirmação relacionada a esse tema deve ser interpretada como discussão factual de casos reais e/ou históricos. Expressa-se aqui, por motivos jurídicos, uma opinião dramatizada. Esse vídeo é altamente desaconselhável a quem passou recentemente ou está passando por uma crise de qualquer intensidade ou qualquer pessoa que se sinta sensível ao tema. Se qualquer um desses temas te causar desconforto ou se fizer um gatilho, é recomendável o interompimento dessa transmissão. Para mais informações clique aqui. Informe-se sobre os horários de acolhimento no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) mais próximo. Para outras informações de assistência no seu município veja o site do MOPS. Segue aqui a linha-de-crise do CVV de atendimento e prevenção ao su!cíd!o. O youtuber e autor responsável por esse vídeo se reserva ao direito de não querer conversar sobre esse assunto nem precisar normalizar nada, não importa o tom usado nas DMs, resguardado pelo art. 5.°, II da Constituição. Sob risco iminente de retalhação [sic] legal. Agradecemos a atenção.

</texto>


<texto>

Copyright tal e tal. Pra propósitos gerativos e criativos. Fair use e tal.

</texto>

</fundo>


FADE IN


<cenas de Don’t Look Up>

{música stock de youtuber}

(V. O.) Então. Fica à vontade mas não toca em nada, tá? Discordar é na sua casa. Sim, esse é o meu primeiro vídeo aqui e eu vou me valer desse argumento até o final. Como estamos? Muito-que-bem? Eu, no caso, virei youtuber e não quero nem preciso falar sobre isso. Nada-que-bem. O ruim da coisa é que eu tava sem o que fazer, sem mais vídeos aqui pra assistir, sem mais porcaria no Netflix pra assistir, sem grana pra assinar qualquer outra coisa, nisso e por isso acabei assistindo Don’t Look Up. Imagina. Não é que eu sou melhor do que assistir filme hype porque é hype, não, eu sou legalmente obrigado a fingir que eu sou acessível e sem sombra de dúvidas sem preconceito nenhum com adulto-acriançado aqui, no site da elzagate e dos nerds-de-análise, mas o negócio é que…

</cenas>


CROSSFADE


<INT. MEU QUARTO ─ CONTRA A PAREDE MAIS BACANA, EU LINDO E LIDANDO ─ DIA>

[eu arrumando o foco da câmera com as duas mãos, dando ao foco da câmera repouso no meu regaço de pelos e da rigidez de muitas flexões que me fiz fazer]

Vamos dizer que uma das minhas falhas de caráter é julgar as pessoas com base nos stories que elas postam. Hipoteticamente. A gente abre um ambiente lúdico pra explorar essa ideia, cadeiras baixas, bonecas de pano, brinquedos grandes encostados nas paredes dando à sala um clima meio fortificado, as crianças amam. Vom’ por aí. E a coisa é que a Netflix é tão hegemônica que, qualquer coisa que sai de lá o twitter trenda e vira o marco cultural das próximas 72h. A Brocando Teucu recomenda; Míuda Pija faz textão, o Leo Dias, a Prefeitura de ─ sei lá ─ Manhumirim, Gina Indelicada, a Boscov desce a próxima geração de memes, na crítica ou no elogio a coisa e recomendada porque a existência dessa coisa enquanto assunto é hype e hype é tudo o que há. Lá vai algum infeliz mansão acima pra gravar 12seg do Caetano Veloso de mão trêmula e com a boca suja num jantar super chique falando qualquer coisa desconexa sobre ter adorado e ser, paráfrase, ‘o bicho’. Todo mundo que um dia teve uma conta no letterboxd faz questão de te fazer lembrar do pôster. É uma espécie de condicionamento militar. Vou dar-a-boa na galera med-por-amor de usar catálogo de stream como cartões pro diagnóstico de problemas de memória. Metade tela-do-celular, metade sonho. A coisa te persegue. E tudo-bem porque é a internet. Vai carinhar grama, qualquer coisa. Mas a minha falha de caráter, de julgar as pessoas na base dos stories, é-que e se desdobra em-que eu leio o parágrafo embaixo das estrelas e guardo aquilo na cabeça. Eu guardo pra mim. Não vendo o filme, ótimo. É o ideal. Quando é assim eu só tenho os outros parágrafos pra comparar. E a gente já sabe que opinião com opinião não reproduz. Opinião com opinião não é natural e não é o que Deus colocou na Bíblia, não importa o que digam os ideologs. Mas opinião com filme… Aí é outro estilo. Aí cê pensa, é quase-obrigado a pensar ‘não, agora eu tô sentado de frente pra uma coisa no mundo que eu não tenho mais que especular e remontar o que talvez seja, não é mais doxa, não é mais telefone-sem-fio’. Cê se pega, e isso sou eu extrapolando do que eu penso, pensando ‘agora eu tô me imaginando sendo cada uma dessas pessoas num estado pré-parágrafo ─ inevitável que eu imagine ─ e eu juro por tudo que é mais sagrado que eu vou conectar uma coisa na outra’. Porque é isso, o filme se materializou enquanto obra pra ser analisada. Agora é a hora do seu ─ eu, no caso ─ parágrafo-de-stories debaixo do ponto-png do filme com hiperlink pro maior site de desempregados nas redes, depois do linkedin. O problema disso pra mim é que a coisa me suga duma tal maneira que eu desfaço laços, quebro contratos, dou block, muto pra sempre e a pessoa com o tempo me deixa de seguir sem nem eu saber, eu queimo pontes real: se opnião for ruim, se for mesmo inseguramente média, eu já fico desgostoso. Eu analizo. E, como cês vão ver mais pra frente, isso é relevante pros filmes que a gente vai se debruçar hoje nesse video-essay.

[eu arrumando alguma coisa no cenário, espontâneo, um braço transversando o tronco dispõe bem pro ponto focal as sombras cortadas do tríceps esquerdo, tenro, quase indecente]

Tá. Aí eu vi a nova moda da Netflix de um ano atrás ─ ou ate mais, confira a data do vídeo ─, que a essa altura com certeza na internet só se fala outra coisa, quem se debruça isoladamente pra falar disso fala mais nisso em termos de se ter certeza se realmente aconteceu. E contra todas as chances e probabilidades computáveis eu não pensei em absolutamente ninguém enquanto eu assistia, eu não desfiz nenhuma relação de décadas com esse filme, obrigado aí-em-cima e aí-em-baixo [fazendo sinais-da-cruz]. Achei o filme até gostosinho. Ninguém que eu conheço fez muito caso de analisar Don’t Look Up pra além de falar que é visionário-demais e tudo que todo mundo tinha que ver ou ter visto pra ser alguém na vida. E eu sendo uma pessoa que acha Saga Crepúsculo: Lua Nova o maior filme que sequer existiu, sou de-boas com esse tipo de afirmação. Não tem uma sistematização lógica por trás, é feels. Não diz-sobre. Então o com-que que eu passei o tempo todo gastando absoluta-onda assistindo foi com uma relação que eu criei só na minha cabeça entre esse filme e Melancholia do Lars von Trier. Eu criei o canal, esse canal aqui, no youtube, por três motivos: primeiro, queria elaborar essa ideia sem dar conversa pra ninguém, o que em si só já é outra conversa; segundo, monetizar assunto que eu não quero mais assuntar em mesa de bar, quem sabe um dia vem o patrocínio e os sponsors, e; último, tem uma série de objetos-de-análise que eu quero gastar logo no começo desse canal se eu for ter uma carreira no de video-essayist, então os podres vão primeiro. E tem podre. Quando eu tiver no ápice da crise de identidade e canceladíssimo pelos orelha-de-gato eu só quero ter coisa gostosa pra por na internet, pra dar aquela equilibrada. O intuito é suar umas coisas que me fizeram meio mal. Jogar pro mundo. Vou passar pra frente esse malestar. A gente precisa normalizar transmitir uma energia meio pesada pelo ar pras outras pessoas. A gente precisa normalizar a transmissão aérea. Veremos.

</INT.>


SECO


<cenas de Don’t Look Up e Melancholia>

(V.O) O maior motivo do meu interesse quando eu vi nessa primeira vez, não porque mas apesar-de eu ver a galera recomendando, foi que o xok-de-monstro entre os cientistas e o resto do planeta me lembrou imediato de Melancholia. Tipo, pra ser uma ligação tão fácil assim eu devia ter pego na galera descrevendo. Grilos, ninguém. Nem no Letterboxd, pro meu pasmo posterior, porque eu pesquisei. Se eu tivesse pego na galera escrevendo na começão-de-polegar sobre diz-sobre e é-visionário e é-óbvio-porque-tá-expondo-o-óbvio-que-não-vemos que esse filme era uma homage pro outro, eu tinha visto antes, porque esse filme [Melancholia, evidenciado nos cortes] tá morando de favor na minha cabeça vai fazer dez anos já. Não. Eu juro pelos meus seguidores mortinhos atrás da porta que ninguém que compartilhou o da Netflix na época fez qualquer alusão com Melancholia, e olha que, eu sendo dodói, vários dos meus mutuals são também dodóis, portanto cinéfilos. Lars von Trier é pra cinefilia o que Evangelion é pra weeb. Mas nada. Eu que fui e fiz a ligação sozinho, foi direto nos 30seg de largada que o clima astronômico linkou os trem. A abertura tem o mesmo clima. Endzeitfilm [sotaque bem Gerda], uma badalhoca espacial vindo-não-vindo, torcicolo na cacunda da galera olhando pra cima, grana comendo-solta pra montarem os cavaletes alto desse jeito pra pegar ator no ângulo-de-cima-pra-baixo, conflito, doença mental, tudo.

{/música}

</cenas>


S/


<INT. MEU QUARTO ─ A PAREDE MAIS BACANA ─ DIA>

Pra quem não sabe ou não lembra, já que o von Trier envelheceu mal demais, Melancholia é um filme cujo enredo, mais ou menos, na camada mais superficial possível, é o mesmo do desse filme de agora. Supostamente um corpo celeste tá rasgando em direção à Terra, bathy-rebathy-finge-que-bathy, e tem uma cisão nas narrativas sobre esse acontecimento. Tem quem acha que vem aí. Tem quem acha que é o governo enviadando garotinhos e desbinariando princesinhas com LSD na água e mijo de sapo. A cisão política e bem posta nos termos da estase conservadora versus a verve liberal.

[eu com minha garrafona de 2L bebendo de tornado]

São as diferenças entre os filmes o que é mais interessantes de entender e gastar onda sobre, eu acho. Assistir Don’t Look Up através de Melancholia, tendo assistido essa porra todo ano desde que saiu, mais de uma vez, tendo assistindo essa porra desse filme mais vezes do que eu posso deixar as seguradoras saberem quando eu fizer um plano de saúde, é osso. Tem coisa que, coletivamente, a gente tem que se policiar pra deixar fora do Escavador. Ter esse filme fala-por-fala na minha cabeça enquanto eu assisti o outro me fez pensar uma série de coisas, inclusive criar esse canal. Acho que já falei. Se cê gostar do vídeo deixa o joinha que ajuda muito. Então lá vai, uma análise muito necessária de dois filmes em que a galerinha morre de mão-dada e não é sobre um culto de morte. Pelo menos um dos dois não é. Spoilers. Solta a vinheta.

</INT.>


CROSSFADE


<fundo montagem das aberturas de Melancholia e Don’t Look Up arrastando por uns bons 30seg>

{vinheta}

<título>

MELANCHOLIA (2011) & DON’T LOOK UP (2021)

</título>

{/vinheta}

</fundo>


S/


<fundo: qualquer coisa cottagecore>

<capítulo>

Parte 1 ─ QUANTAS HORAS-CORRIDAS CÊ TEM NO FILMOW?

</capítulo>

</fundo>


TRANSIÇÃO DAHORA


<EXT. A CURVA DO RIO ONDE ACHARAM A OPHELIA ─ BEM NA RIBANCEIRA ─ NOITE>

{música Partita em Fá Menor para Flauta Solo slowed & reverb o suficiente pra parecer o Prelúdio pra Tristan & Isolda}

Então vamo lá. Se eu tiver que postular alguma coisa aqui é que não compensa resgatar o Lars von Try-hard d’onde quer que ele teja enquanto diretor fílmico. O que eu posso dizer da minha fase trierzeira não é nem que eu era quem-tá-começando de filmes e que ele é um diretor pra quem-tá-começando. O que são duas verdades, de fato; mas verdades rasteiras e fáceis demais, e seria eu arranhando meu ego pra rasgar o dos outros. O que eu posso dizer dessa fase e é mais construtivo é que eu tava vulnerável. Principalmente no que diz respeito à admiração que eu tinha por Melancholia. Pra quem não sabe, eu sou dodói. O interessante disso é que assistindo Don’t Look Up eu tive a certamente enevoada impressão de que esse filme posterior comentava sobre o primeiro, por serem de-gênero, por terem mais-ou-menos o mesmo nível experimental em termos de ritmo e corte, embora diametralmente opostos nesse sentido. [mostrar alguns casos bem óbvios] Repara, o que o primeiro tem de moroso o segundo tem de ansiedade. Mas o importante foi quando eu me acalmei e percebi que tava projetando o grosso dessa relação. Melancholia enquanto filme depressivo par excellence, chegou surgindo. Na época todo mundo com pelo menos uma experiência de crise depressiva tava usando a Justine como representação pra falar ‘como que é’ pra alguém. Se eu tô exagerando, isso diz mais sobre mim, então. Antes de Euphoria e depois de Skins era isso que a gente tinha. O fio condutor da trilogia ou tetralogia já-superei-isso, Antichist (2009), Melancholia e Nymphomaniac (2013), é o pesamento-de-mão na estrutura significativa. Em entrevistas, a gastação-de-onda é que os filmes lidam com luto e depressão a partir de diferentes perspectivas e tal. Válido demais. Mas sem discutir muito auteurismo, a minha posição é que o que sobra e transborda dum filme pro outro é o próprio von Trier e as piras dele sobre o tema, e não os temas em si.

{/música}

</EXT.>


S/


<MONTAGEM de cenas do trailer de Antichrist repetidas vezes o suficiente pra ficar obvio que é são do trailer>

{música qualquer coisa instrumentalzinha}

(V.O) Em Antichrist a gente assiste um apanhado de traumas e o conceito de culpa-cristã é deitado no meio da prensa hidráulica do que houve de mais católico no Romantismo europeu e nós como audiência somos fisgados a imaginar se o negócio vai explodir, se vai murchar, se vai trincar e mostrar resistência ou se vai ceder fácil, derreter e escorrer pros lados. O luto, então, além da sua manifestação narrativa, pra mais-longe de tal-como ele aparece no enredo, é um misto de Paraíso Perdido e Paixão de Cristo. A Charlotte Gainsbourg duplamente Eva e Maria. Ou Lilith, sei lá. Tem um bruxismo-feministo-pagão rolando, um trauma intergeracional causado-pela e contra-a repressão patriarcal, dicotomicamente pareada ao cristianismo. Pai, cristão, ruindade-que-só; muié, satã, mas num giro positivo. Vários simbolismos fazendo um apanhadão do que rolou no mundo panromânico. É Foucault e Goya tudo de novo. É do mais puro e destilado cansaço. É isso que eu lembro. A última vez que eu vi já faz cinco anos. Daqui pra frente só vai fazer mais. Não gosto. Até tentei. Mas não tô sendo pago.

{/música}

</cenas>


S/


<MONTAGEM cenas PG de Nymphomaniac Vol I com o Shia Labeouf>

{música qualquer execução de Ich ruf zu dir, Herr Jesu Christ (BWV 639) no órgão que seja de domínio público}

<texto>

(V.O.) Alerta de conteúdo pra violência sexual enquanto durar a sinopse de Nymphomaniac. Porque esse filme é dessas. Se necessário, pular para a timestamp do próximo capítulo.

</texto>

(V.O.) Em Nymphomaniac o luto continua sendo essa coisa enevoada e intangível, só que dessa vez a gente freudianiza a paradinha. Ódio pela mãe, admiração pelo zaddy, a psicossexualização de todas as facetas do conceito de ‘proibido’ e da palavra ‘não’, a fetichização mais nojenta possível do ‘Outro’, uma obsessão por caras mais velhos que não tem equivalente por novinhos depois que ela vira milf, exceto o que bate nela; esse filme me fazendo ter tesão desde então pelo borracha-fraca do Shia Labeouf &c, tudo grita Édipo-barra-Elektra. No duro. Na divulgação-científica da coisa. É um pastiche psicanalítico intencional porque a moldura-narrativa é bem de-cara uma sessão de terapia. ‘Não, doutora, tudo começou quando…’. Minha aposta é essa: Seligman se revelar um tarado no final é um comentário do auteur sobre a situação das próprias folhas numa prancheta por aí na gaveta de um profissional. O fim é péssimo. É isso que eu posso falar. O Seligman sendo um tarado é bacaninha [!] narrativamente falando e as pistas tão bem postas pra valer a reassistida, mas ele assediar ─ sem delicadezas de linguagem: tentar estuprar ─ a personagem da Charlotte não faz sentido em nível nenhum. Que ele tivesse quebrado umazinha pensando nela ou ali mesmo na porta sem que ela soubesse, se a intenção é deixar o expectador na desgraça da desesperança no mundo, no beiral do cu-do-desespero, essa seria a solução. Todo mundo que por qualquer motivo se viu disposto numa relação de poder desigual já pirou pelo menos uma vez com isso, essa é a semente da paranoia, dividir quarto é ter as entranhas abertas, esse é o medão onipresente da sociabilização humana: que aconteçam violências c’ocê que cê sequer saiba, e, não sabendo, não é capaz de desembrulhar pra se defender. Ao longo da narrativa ela ja vinha demonstrando índices de ‘reescrita’ e diversas formas de desmemoriação, eu sempre achei que eram essas as pistas, não a porra da pistola. Eu já conheci gente que fazia varal de arame farpado pra poder pendurar roupa íntima pra secar, metaforicamente falando. Não tivesse arame vestia molhada, metaforicamente, porque só do pensamento da possibilidade… Essa é uma forma efetiva de trabalhar, mesmo que tangenciando, traumas sexuais. Uma de muitas que nao envolvem o vício cinematográfico por dolls. E nessa mesma onda, obrigar o espectador a acompanhar e por associação ser cúmplice dessa violência, uma gozadinha chorosa no batente, um espasmo sem mingau, isso sim seria um comentário. A arma agencia a personagem da Charlotte dum jeito que não é uau, é cíclico só ─ e cíclico não no sentido pseudo-filosófico modernista de ‘rotina de trabalho instrumentalizando a mente humana’ nem no new age de roubar pergaminhos budistas ─, é shock-value sem muito por-trás. Eu acho. Não entendo, não nutro simpatia pra tentar entender. Eu sou incapaz de odiar alguém que eu pago e continuar pagando, sobre a questão do psicólogo, go off. De todos, funnily enough, o enredo que se coloca como o bildungsroman ─ bildungsfilm, por assim dizer, porque parece que mulher não pode dar uma liberada lá embaixo sem ao mesmo tempo estar pleiteando pelo caso da Bovary da feminilidade sexual duma femme-cis é o mais masculino de todos, se é que me entende. Seligman só é tarado na medida em que o framing é tarado, nisso tarado e artístico se associam pro desespero dos socráticos; na medida em que somos nós existindo pra fetichizar-significando os traumas da Joe num meta-comentário do caráter voyeuristico do cinema. Bem meta, ‘cê achou esses efeitos e filtros legaizinhos de ver? Ah, mas o problema com a sociedade tem morada, então’. Com certeza tem alguma tese escrita por mina debruçando a Carolina Hein em cima desse filme, se eu soubesse alguma de cabeça botava na descrição. Masculino e meta-autossatisfatório. ‘Olha só os personagens conscientes e ativos do caráter fabular e metafórico da experiência fílmica, é quase como se eles tivessem fazendo um filme’. Por aí. Trilha sonora e tudo. Acho discutível afirmar que o Monsieur von Trier se escora em simbolismos enxadrezados pra organizar qualquer ideia que ele tenha sobre qualquer coisa, ou que isso esconde uma certa insegurança de fim-de-carreira mais que qualquer coisa. Mas o que é patente nesse filme é que ele tá chateado com a ideia vaga de que as pessoas pensem isso dele, portanto ele se enxadreza. E é bom, não tô falando que é um filme essencialmente ruim. É um filme racista, com certeza, mas se isso for critério eu fico sem o que assistir. Não recomendo a parte 2, o de-ruim tá reservado pra essa segunda metade. A peripécia dele nesse filme é interessante e pipoqueira, de todos o mais engraçado. A cena com a Uma Thurman e o marido dela é tudo pra mim, é clássica, é uma das três coisas que mais me vêm à cabeça quando eu pego homem casado. Mas enfim.

</cenas>


S/


<cenas stock footage de líquidos transparentes e viscosos tipo ácido hialurônico e silicone à semelhança de pré-gozo>

(V.O.) Pulsão de pica. Pulsão de morte. Entremeios pouco sutis e com certeza nada de temperança. A violência desorganizada do primeiro filme gradua com mérito pra uma práxis sadomasoquista nesse terceiro, do começo ao fim os relatos são só o remontar duma autodestruição que se percebe gloriosamente, só que não sem-culpa. Ela é o doido que acha bonito ser doido e tem um burner no twitter pra postar su!fuel e o Sellingman é chaser de gente assim, acostumado a só conseguir chegar lá assistindo Sala Samobójców ou alguma coisa do tipo. Tudo no monotom dum narrador que não tinha nem que tá mais aqui, mas já que tá mete os óculos escuros, já que tá é descoladamente trintañero. Assistindo as duas partes cabo-a-rabo com a indagação que eu vou propor é entender o movimento de ouroboros que a identidade descreve em busca de si nessa história, que segue: Joe é a vagabunda mais moralista que sequer existiu. Eu na idade que eu vi o filme pela primeira vez já não tinha meio-problema com a ideia de mamar fiel no metrô, a ideia abstrata da coisa. Mas aí é Freud de novo, as normas sociais são o Pai que se quer desmoralizar, constranger, irar, deixar de pau duro no almoço de domingo. Eu acho que a galera ignora demais a cena de ‘lubrication’, deixando baixo pra intenção denotada de uma justaposição visual, talvez não seja só um choro triste. Mas, vai ver, é uma coisa que só quem produz muito pré-gozo tem o privilégio de sacar, conotativamente.

{/música}

</cenas>


CROSS


<EXT. A CURVA DO RIO ONDE ACHARAM A OPHELIA ─ BEM NA RIBANCEIRA ─ NOITE>

{música, manda uma do tchaikovsky, seilá}

O que tudo isso é quem-sabe relevante pra Melancholia, a marmitinha desses filmes, é que temos o luto aqui, bom… É que… [fingir desembaraço] Aparentemente… Primeiro a gente tem que conversar sobre uma coisa.

</EXT.>


S/


<fundo: qualquer coisa traumacore do pinterest>

<capítulo>

Parte 2 ─ REPRESENTATIVIDADE BOA MESMO É AQUELA DOS FILMES QUE A GENTE ASSISTE PRA SATISFAZER A NECESSIDADE DE SE CONECTAR COM GENTE QUE PARECE COM A GENTE E PREENCHER ESSE VAZIO SEM TER QUE LIDAR COM GENTE QUE PARECE COM A GENTE PORQUE NEM FODENDO

{/música}

</capítulo>

</fundo>


CROSS


<EXT. A CURVA DO RIO ONDE ACHARAM A OPHELIA ─ BEM NA RIBANCEIRA ─ NOITE>

{música stock de conversa séria}

Um cacoete de quando o discurso é sobre representação é imaginar que a dinâmica antagônica da questão ‘representar ou não-representar’ se dá entre os de dentro de uma minoria que se vê ou não representada e um amplo-público que digere o conteúdo a partir de um mérito estético ou de entretenimento. Lérbicaix versus gamers, neigros versus gamers, sociedade-de-gêneros versus gamers etc. O que, às vezes, é verdade. Mais ainda quando a gente fala de gêneros que têm como público original ou mais-profitável crianças e adolescentes, como quase tudo ao redor de quadrinhos e anime, apesar de não ser de bom-tom falar isso. Desenho não é desenho, ok? Nesses espaços as sub-culturas geek e nerd agem como agentes de normalidade® e qualquer coisinha é lacração, porque esses espaços são estruturados pra serem de-liberais-a-conservadores por lidarem com produtos de alto valor mercadológico e uma lógica corporativista de criação de conteúdo, uma lógica de mínimo-denominador-comum, apesar de não ser de bom-tom falar sobre isso ─ nem usar construções tão longas pra tanto. Se passa a explorar temas risqués quando é conferido pela equipe de MKT que esses novos públicos tão no akwé. O cinema e as outras artes numeradas são um pouco diferentes, e essas coisas que eu falei vão ficando um pouco mais diferentes também conforme elas vão entrando em contato com o prestígio garantido por essas expressões consagradas. A prerrogativa das ‘artes maiores’ é a de ser séria e evoluída em detrimento de quem interage com elas, transformando em elevado o contato do interlocutor, independente do que ele enquanto ele mesmo tá achando se valeu a pena pegar aquela puta daquela fila pra chegar aqui e ver uma versão maior do cachorro de balão que ele tem em casa na cozinha porque a esposa e brega pra caralho e tá gastando uma grana fodida em superfluidades enquanto ele sequer sabe se tá assegurado na posição atual no seu trabalho e teme não poder continuar provendo esse nível de luxo pra família, mas não pode contar, ele nao pode compartilhar desse sentimento, faz parte da posição dele ser resiliente, e, quando ele voltar pra casa e ver o cachorro na bancada de marfim ele vai pra sempre lembrar desse insight, e de que as crianças tavam gritando pra caralho no corredor e a satisfação que ele sentiu em beliscar o bracinho do Enzo Henrique sem ninguém nem ver.

[qualquer coisa pra fechar esse detour e voltar pro texto]

Tô falando de film, não de movie. Oposição entre experiência fílmica e assistir um filme. Não é exatamente que otakus e adultos-Disney ou qualquer outro traço-de-personalidade baseado no consumo de mídia sejam considerados como normais® pra sociedade hegemônica maior, mas, em certa medida, aquilo que eles representam pelo exagero, quando filtrado pela temperança do desinteresse comercial, é grana das-grandes. Corrida-Naruto ainda é um meme que chega perto demais de capacitismo e psicofobia pra ser confortável, mas uma camisa de One-Piece não é algo longe-demais da universalidade das roupas-comuns e é incapaz de servir sequer de quebra-gelo numa conversa banal. Duas pessoas que gostam se encontram, o mundo todo uma praça de alimentação de shopping. É tão neutro quanto camisa-de-time. É tão neutro quanto a própria tecnologia têxtil. Faz sentido? Dá pra entender onde eu quero chegar?

</EXT.>


S/


<cenas de qualquer coisa super válida uwu>

(V.O.) A realidade da coisa quando a re-pre-sen-ta-ti-vi-da-de tá em jogo nos espaços de prestígio artístico, onde o pressuposto é que qualquer coisa vai e qualquer possibilidade é possível, já que não tem muita grana envolvida em agradar pré-púbere e a nata da sociedade Normal® que inclusive faz questão de tirar os jovens da sala quando esse tipo de arte tá no moche, o que rola é mais uma briga-de-galo ingroup, é desperucamento interno. O segredo não-tão secreto do porquê pra uma pessoa minimamente cuír ou racializada o mercado da arte é ainda tão segregado e exclusivo é que, no backstage da coisa, na costalarguesa dos investimentos, só tem branquelo. Não é necessariamente que os gêneros ou o mercado ou os investidores ou algum algoritmo teja dando shadowban pra uma protagonista travesti preta e autista num filme-B de terror espacial. Em filme-A sim, são todos os motivos anteriores, mas B é menos provável. É mais que quem tem as RED e as miniaturas de nave e a grana pra locar estúdio e encher de papel-alumínio tá tão longe de ser uma protagonista travesti preta e autista que, pra além disso, uma que tem interesse em filme-B de teror espacial, que o processo de se tornar consciente das nuances necessárias pra montar uma depicção minimamente interessante dessa supracitada guria gira concentricamente ao redor do meio-óbvio-meio-catarse-cis de que, talvez, outra pessoa faria um serviço melhor que a pessoa que tá fazendo agora, e que tá fazendo agora só porque tem as condições pra fazer, materialisticamente falando. Uma travesti preta e autista, por exemplo, de preferência que curta filmes-B sci-fy, ou mesmo que curta qualquer forma de ficção futurística, seria a pessoa perfeita pra mandar essa. Mas cadê a verba? Então o roteiro é largado de-lado logo na largada, logo na explicitação dos motivos do personagem. Todos os personagens que tejam longe o suficiente do que é mais ou menos quem se garante fazendo arte sem passar fome no momento atual da produção de qualquer coisa são descartados porque a coisa é difícil mesmo e não tem boa-vontade que supere certas coisas. Eu tenho a bondade em mim que nasce do fundo do meu coração de acreditar que ninguém faz arte ruim de propósito, arte quando ruim de propósito é camp, o que é outra coisa. Em toda arte ruim rola uma ou duas camadas de ‘aconteceu alguma coisa aí’. Nisso tudo, o problema de representatividade em gênero prestige, eu acho, é estritamente material. Audiovisual, por mais simples que seja, é um trampo e uma grana. Teve uma época nos anos zero ou dez que a galera achava que smartphone ia ser o renascimento da comunicação visual, e sim, foi. O que não significou, em ampla-escala, acessibilidade em production value. Significou tiktok enquanto genero de mídia, independente de qualquer julgamente sobre. Sabe? No youtube qualquer coisa pra baixo de 1080p é o equivalente digital de miopia. Mesmo fazendo o ligeiro de usar avatar e só imagens de arquivo, o som ainda é um grande fator, e só de ouvir cê sabe quem tá com o microfone do Raul Gil e quem tá com o que ele dá [ou dava, pesquisar se Raul Gil morreu] pros convidados, metaforicamente falando. Tudo é uma grana. Enfim, isso é uma tangente. Faz bagui quem pode fazer, nisso os macroestruturais e sociais entram no chat. Vivemos em uma sociedade, dizem. E pra quem tá de fora das questões qualquer Garota Dinamarquesa e Jared Leto faz o jogo, entende? Mas quando cê sabe qualé que é, fica diferente, fica cringe. Mas quem sabe qualé-que-é-que-é tá, no máximo, fazendo os vídeos pro youtube, o que já é uma onda em-si-só de fazer. É aí que o círculo volta pro início e as artes-numeradas seguem exatamente a lógica comercial das expressões consideradas menores, por motivos diferentes. Ao menos é o que eu especulo. Como identidade e pertencimento não são monolíticos em grupo nenhum de qualquer coisa que seja, e porque o amplo-público é tracejado como o mais genérico dos resultados do IBGE perguntando pra homem se ele é *****, a representação enquanto conceito encontra um problema. Existe a chance de apelar pra política de respeitabilidade e meio-que escolher a dedo o que vai-dar-bom em termos de existir de forma coalizada e integrante, vide Dinamarca. O que é raso e inofensivo o suficiente pra que coexistam todos pelo aparentemente-apolítico da humanidade-em-comum em todos nós é o que pinta na telinha, é o argumento suave de ‘olha, Clotilde, eles até parecem gente também’. O movimento LGBTQIA+ teve essa fase de maneira mais forte nos anos dois-mil quando as Ken-doll e gays-Alok acharam que seriam gente também se se comportassem direitinho e se desassociassem de qualquer racializade, gorde, PCD ou dissidente de gênero que porventura viesse procurando uma comunidade e alguma coisa sobre si pra assistir. A consequência midiática-representacional dessa era foram as mile-umas versões MxM do casal de propaganda de margarina. Casal esse que ainda é o sine-qua-non dos filmes e séries de ***** pra twinkzada punheteira postar no twitter e ficar shippando. Young Royals [tosse 100% real]. Heartstopper. Mas isso é velharia e só serve como um exemplo mais amplo de alguma-coisa versus Normalidade®. Qualquer-coisa versus Normalidade®. Melancolia não é sobre transv*adagem, o que é um ponto positivo pra comunidadhy. É sobre doido. E quando é sobre doido, a coisa fica, digamos… mais… lúcida? É assim que vai a expressão?

</cenas>


S/


<EXT. A CURVA DO RIO ONDE ACHARAM A OPHELIA ─ BEM NA RIBANCEIRA ─ NOITE>

Onde a política de representatividade toca o amplo-e-genérico inerente à neurodivergência e doenças mentais e o-que-mais, todo o universo de curto-circuitos e desencapamento de transistors, que pode ser usada como ponto de contato com o mundo padrão? O que o doidinho tem que a bailarina também tem? Mais uma vez, de passagem, a brancura. A simpatia pela qual a supremacia-branca tem consigo mesma é um vetor forte de afeto e compreensão. Desde a renascença italiana a gare vem botando a Natalie Portman, a Kirsten Dunst e a Kristen Stewart pra interpretar as coitadinhas. Quaisquer coitadinhas, olhem no IMDB. E a J-Law. Não sem antes emaciar num bom dum regime, faz parte do personagem. Eu tô cansado de thinkpieces apontando a obviedade na ressurgência das estéticas tumblrcore e balletcore, que é basicamente a internet se organizando pra resgatar o zeitgeist de 2013 e parir coletivamente a próxima Lana del Rey. O negócio é que a Ms. Grant e as personagens dela surgiram bem no início dos anos dez, quando toda forma de expressão femme-cuír e-e/ou-ou doente-mental tava vivendo vicariamente através da mulher branca. Era a era-Tumblr, afinal, né-mores. É coisa que a gente sabe porque tava lá, mas tem dificuldade em verbalizar. Se o dodói-da-cachola tivesse que ser uma pessoa, se fosse personificado, seria uma loirinha bonitinha, talvez brunette, no máximo brunette, bonita porém emaciada, não, bonita porque emaciada, e toda a estética ao redor de AM e Wiped Out!, cigarros brancos, preto-e-branco, jeans lavados, all star. Não que esse seja um espaço que precisemos ocupar. Só apontando.

[uns trinta segundos de eu tirando gravetos molhados do meu vestido de noiva]

Voltando a pensar nos gêneros e aportes, as artes-numeradas passam por um processo privilegioso de apreciação porque são ‘altas’ [lembrete pra fazer o gesto de dedo pra toda e qualquer aspa] e essa prerrogativa dá espaço pra depicção de temas difíceis porque, dentro da lógica mamãe-eu-sou-artista, há qualquer coisa de contracultura em produzir high art. Falando assim é meio confuso mas é bem-isso. Segundo a filósofa contemporânea Sue A. Maen no livro ‘Das Generalizações Necessárias à Crítica da Generalização como Técnica de Interpretar o Mundo; ou das exceções à regra’ [mostrar capa do livro], [texto na tela “(…)] tem muitos nesse ramo que ocupamos que fazem da ‘sensibilidade’ e da ‘intensidade’ vias pelas quais manter vivo por máquinas um já de-muito partido Romantismo. Mas o que importa aqui é que a arte é país de depicção livre. Entre depicção e representatividade a gente tem três colheres de justificativa política, que, aliás, muito válida. As demandas por representação presencial e agenciada pelos envolvidos com o X da coisa engravado a ferro no corpo são muito que válidas também, mas nem sempre é assim que acontece. Por vezes a depicção acerta certos pontos arbitrários e é representativa. Nisso muitas vezes a crítica à depicção irresponsável de disfuncionalidades e evasões chega ao em-vida-real disfuncional e terapia-evasivo ser-humano como um ataque pessoal à pessoa dele [(…)” /texto]. De fato. Sue A. Maen é bem sucinta. É só cê chegar no twitter e ver. Só desenvolver essa coragem. E, crédito-ao-crédulo, muitas vezes o comentário em direção ao ‘apropriado’ na mídia mostrando alguma coisa considerada problemática ricocheteia no que há nessa mídia que é provavelmente representacional. Nem sempre. Aqui fica uma observação no sentido de entender as milhas-de-distância que determinadas depicções estão com relação àquilo que elas pintam, representando um total de zero pessoas nesse processo. Principalmente quando a gente fala de transtornos neurológicos e de desenvolvimento. Acontece. Mas quando o caso é de doenças mentais, é comum perceber outro fenômeno. Nesse caso, criticar mídia problemática é o gilete-e-limão na-de muita gente que não se vê frequentemente nas coisas que assiste. Porque, assuste-se quem quiser, existem pessoas que são problemáticas na vida real, tipo, IRL. Em especial entre nós, transtornados, neurodivergentes, dodóis, lelés, conforme seja a nomenclatura mais apropriada e confortável. Primeiro porque algumas das manifestações, sinais ou sintomas associados a alguns dos distúrbios ou condições nesses termos guarda-chuva ocasionam no consumo excessivo de mídia. Quase que por-coincidência. Seja por isolamento social, autoinflingido ou como consequência do ostracismo, seja pelo caráter passivo do consumo audiovisual, qualquer chute é possivelmente um fator. Não só o consumo mas também a centralização desse consumo como parte da identidade de pertencimento de grupo. Não vou especular nada pra tentar dar um exemplo porque o tema é delicado. Euphoria. [socorro que tosse é essa?] Stranger Things. No meu caso, minhas crises depressivas são marcadas por longos períodos onde eu sou capaz de sentar e assistir filmes. Sim eu assisti L’Année dernière à Marienbad do Resnais mas se cê tiver esperando algum comentário sobre isso aqui cê vai ficar na seca. Quando eu tô limitrofemente-catatônico é o único período em que eu sou capaz de sentar popô, ou mais provavelmente deitar, e passar mais de uma hora em qualquer coisa que não seja video-essay. Normalmente eu não tenho paciência, mas em momentos especialmente pivotais da minha depressão lá tô eu no canal da Mosfilms vendo filme em russo sem entender nada e sem possibilidade de legendagem em língua nenhuma, numa boa. Filme que nem vai parar no meu letterboxd porque eu não quero me dar ao trabalho de latinizar o cirílico pra procurar. Alternativamente, do nada, na deprê, eu tô assistindo de cabo-a-rabo montagens diferentes de Metropolis com o que a galera tinha de fita preservada em cada época e lugar pra ver quais cenas influenciam qual coisa no geral do filme. Só pra dar a ideia. E nos círculos cinéfilos que esse tipo de coisa inevitavelmente desemboca, a quantidade de gatinhes em ISRS define o ritmo da conversa. Ritmo mais literalmente-falando que metaforicamente. E os que não tão em tratamento, é especulado, pro extremo horror e gatilho dos anti-psiquiatria, deviam tá. Recomendo. Eu, por exemplo, desde que me mediquei e tô ótimo, só assisti Don’t Look Up, e já tá bom. Botando isso na mesa, Melancholia depicta, tematiza e representa depressão, sendo o diretor, segundo ele mesmo em entrevistas demais, um depressivo crônico; e sendo eu, segundo eu mesmo agora e em indiretas demais no Facebook onze anos atrás, bem quando só tinha eu e o amigo que me mandou o convite pra entrar, também. Xok de monstro. É bem briga de lugar-de-fala meeeeiiiixmo e eu adoro. Eu e o Lars vamos causar uma impressão super negativa, we’ll make depressivinhos look bad. Bora lá…

{/música}

</EXT.>


CROSS


<capítulo>

Parte 3 ─ A MELANCOLIA VAI NOS DAR DE-RELIM E VAI SER A VISAGEM MAIS FODIDA JAMAIS FRAGADA

</capítulo>


S/


<INT. CASA FUNERÁRIA ─ UM VELÓRIO BEM LIMINAL ─ NOITE>

{música um Wagnerzinho mais desconhecido pra combinar com o filme mas não chamar muito neon*zi}

É que ninguém é capaz de entender o que eu tô passando, entende? A interpretação macha de Melancolia ─ bora localizar os títulosé que a morte interna da personagem principal, Justine, a depressiva, é um argumento filosófico e racional com lógicas e fatos na direção do niilismo-negativo solipsista estilo I-tried-so-hard-and-got-so-far-but-in-the-end-it-doesn’t-even-matter, é o swan-song dum tipo de endurecimento da força motriz dum sujeito de lidar com o impossível e vencer distâncias. É, de novo, maaaaaais uma reiteração do conceito de o-que-não-mata-engorda-what-doesn’t-kill-you-makes-you-stronger [clipe da música pra mandar a galera espiralando pra 2011, coincidentemente]. E, mais uma vez eu vou repetir sob orientação do jurídico, é super válida essa interpretação. Usar ‘niilismo-negativo’ já denuncia uma influência nietzschiana na coisa da qual eu não me orgulho e sobre a qual não tecerei comentários. Meu único argumento vai ser de que filosofia de inação tá proibida se depender de mim, apesar de eu gostar muito do dharma. Fica por-falado. Essa interpretação é onipresente nas discussões sobre o filme, seja em youtube, sites especializados, blogs black-pilleiros, muito porque na primeira parte dele a gente passa ‘descobrindo’ que ela é dodói, a Justine, e na segunda parte, mais pro final que no começo, ela é a única que consegue lidar de joelho-sólido com o fim iminente do mundo, com o apocalipson, com a feira entrando lona-e-tudo nas peruas e vazando da rua sob o sol do meio-dia, laaaaAAAAAAAaaaaAAAAAAAAAAAAÁÁÁÁÁÁÁÁcrimoOOOOOOOOOOOOOOóósa, noche oscura, caput, shit-is-getting-real, perdeu, perdeu playboy. Mas antes eu vou fazer o serviço-público de sumarizar o filme pra quem não assistiu e que, agora, graças a esse presente, não vai precisar.

[inserir aqui o resumo bem divertido e conciso do casamento da Justine que cê deixou no outro .doc]

Shoutout pra figurante em 29:52 e 54:07. Nesses tempos a gente pode presenciar e apreciar a única pessoa preta no filme todo, a única pessoa não-caucasiana, inclusive. Uma salva de palmas pra ela, personagem e atriz. Não é a posição mais confortável do mundo, com certeza. Não recomendo mas quem-nunca. Eu, inclusive, vezes demais. Ela nessa festa é eu literalmente vendo esse filme esses anos todos.

[inserir aqui o resto do resumo super explicativo, a galera vai amar]

Tendo em vista tudo que eu falei, faz sentido. Essa perspectiva macrotextual faz com que ela pareça real foda-demais, siickö, sobrevivente do caos, puladora-de-muro-de-hospício, yandere num mundo de rivals, a putaqueopariu e o caralho-de-asa, a os-traumas-dela-fizeram-ela-ser-forte-assim. Nisso meia-hora de seja de quem for que teja reciclando a metafísica da falta de serotonina pra vender pra fedora-tipper hoje em dia em autoajuda-ao-contrário, provável ainda o Peterson. Eu nem preciso falar que essa perspectiva é um pouco problemática, um tantinho só. Qualquer pessoa sossegada no seu diagnóstico de qualquer coisa ou que seja, PCD ou diferente em qualquer coisa que seja o suficiente pra que essa diferença influencie a maneira dessa pessoa lidar com o mundo, já sente de longe o cheiro de romantização da condição do ‘Outro’. ‘Noooooooooooooooooooooooo… [fade to black, cross de volta] …ooooooossa, cê é tão forte, fosse eu no seu lugar, nooooooo…’. Os estereótipos de que pessoas com doenças mentais são mais resilientes ou que necessariamente cada doença tenha uma espécie de irmão-gêmeo-do-bem com um talento super especial guardadinho pra oferecer pro mundo é o que tá embrenhado nessa interpretação de Melancolia. Mutantes: Caminhos do Coração. Cada qual é cada-um, não tô falando que a sua condição específica não venha com perks e presentões do destino pr’ocê, se cê tem, se cê se vê assim, amo, amo demais pr’ocê. Mas é bem fácil, mesmo cê sendo exatamente o que o estereótipo tá colocando como regra, extrapolar e imaginar essa lógica sendo aplicada no sentido oposto, o de servir como prerroga de não dar pra pessoa o apoio que ela precisa ou dignar a ela o espaço com o qual lidar com a fragilidade que ela pode muito-bem tá tendo. Tá tudo-bem ser fardo. Esse é um assunto muito amplo e muito complicado, mas não é difícil vir com exemplos de quando os processos compensatórios duma pessoa que tá em falta com a Normalidade® se voltam contra ela como um peso a mais no que ela já tá passando. Toda vez na minha vida que eu vi um sujeito se identificar com a narrativa da resiliência meu coraçãozinho empático deu piruetas de agonia. Ainda mais porque esses compensatórios, pela lógica do estereótipo, são esperados. É o utilitário da coisa. É a instrumentalização daquilo que cê é pra alguma função, geralmente trabalhista. Mããs, eu não acho que essa interpretação do filme recai nas costas do auteur, não de todo, apesar da minha vontade de botar por conta do Trier e seguir minha vida. Em Anticristo ─ vamo continuar traduzindo porque a quantidade de inglês só vai aumentar daqui pra frente e os brasilianistas tão de olho ─ em Anticristo o luto era meio esse lance rejeite-a-modernidade catalizada pela morte do filho e o luto-culpa cristão versus o luto-gozo dessa tradição pré-românica que o personagem da Charlotte enseja. Em Ninfomaníaca o luto é meio freudiano e tudo-o-mais. Portanto é meio de esguei que o tema se realiza nesses filmes. Já Melancolia é, bem duro-no-duro, o luto pelo luto mesmo, o luto é real da maneira que determinados profissionais vão dispor a coisa toda, Kübler-Ross, cartilha e tudo.

{/música}

</INT.>


S/


<cenas específicas ao que eu tiver falando, o que vai ser um trabalhão pra editar>

{música lofi La Bamba to relax/study to}

(V.O.) Tem algumas obviedades que baseiam o que eu tô falando. O posicionamento anti-científico do John, apesar das piadas que eu fiz, não tem as implicações políticas que o negacionismo tem em Don’t Look Up. Cê pode até interpretar a coisa por um viés econômico, coisa que eu vou fazer mais pra frente. John, enquanto Tory, tem a predisposição conservadora e autoindulgente de categorizar qualquer tipo de evento ou mudança como um plano arquitetado por agentes especializados que querem particularmente estragar uma ou duas tardes na semana dele. Justo no sol a pino em que ele ia fazer aquele brunch. Existe sim um investimento pessoal envolvido com o cara que é o textbook do materialismo nos sentidos filosófico e senso-comum da palavra descrer até o completo limite da mentira que tudo que ele conhece e dá valor não vai ser mais que lixo espacial daqui uma meia-hora. John é a Negação, sabe a Negação? Das fases? E John enquanto Negação é destruído com fatos e lógica diante dos dados, e os dados apontam que é real, já era. É real e já era porque a lógica interna da alegoria, o planeta indo bater de qualquer maneira, retroalimenta o tema alegorizado. A Raiva/Revolta é a Claire ─ pegando e continuando os dispositivos da cartilha ─, que pega nos braços dela a responsa de tentar fazer alguma coisa contra o inevitável, que é quem se sente mais intimamente envolvida com as implicações viscerais de considerar o fim do mundo. Justine atravessa de Depressão pra Aceitação, talvez, fazendo a função das duas coisas. E, sei lá, a criança é a Barganha. Cê pode pegar pra ver esse nível simbólico e chegar às suas próprias conclusões porque o Lars von Trier não poupa ninguém de qualquer coisa que ele tiver lendo ou assistindo no período que ele tá espiralando de alcoólatra pra fazer qualquer filme que ele tá fazendo. O que eu digo não de forma derrogatória. Na abertura um dos stills em câmera-lenta mostra a Justine, a Claire e a criança respectivamente alinhados com a Melancholia, a Lua e o Sol; referências sem as quais a cena da Justine pelada parece um pouco gratuita. Mas não é, o cara tá batalha-naval nas camadas interpretativas. Não é mesmo, porque esse filme é com certeza o mais dessexualizado da carreira dele. Toda transa ou sexy que a Justine tem com os homens que ela interage são uma forma suave de manipulação, no sentido dela se livrar de umas situações pra ficar sozinha, ou enquadrados como consequência do episódio maníaco que ela tá mais-ou-menos in text tendo durante o casamento. Existindo entre Ninfo e Anticristo, isso demonstra um nível de versatilidade e reafirma a intencionalidade do sexo sendo tematizado nesses outros dois ou três filmes. O que eu quero dizer é que desossar o simbólico nos filmes do cara é tarefa simples porque não falta material, principalmente na trilogia-barra-tetralogia. Mas eu particularmente tenho um jeito preferido de roer esse tutano que, é lógico, pra mim, é o jeito que evidencia com mais delicadeza e atenção qual é o tenso-da-coisa que suspendeu doidinhos, incluindo eu, tantos anos ao redor desse filme. Uma interpretação nova pra esse site entre outros que eu acabei passando por esses anos de trierismo. Não, eu não li nenhum livro sobre o filme, credo. Se, por algum acaso, o que eu falar for coisa-velha, finge que eu tô citando e a gente segue. Não é pra tanto. Mas eu tenho minhas próprias teorias sobre sobre-o-que é o filme. Assunto muito lambido mas muito-pouco mastigado.

{/música}

</cenas>


S/


<screenshots dos dados relativos ao que eu tiver falando, que é importante>

(V.O) Primeiro, a dança de morte do planeta Melancolia é literalmente o diagrama que um-tal Bertrand Grondin fez pra empresa de consultoria Orga em Abril de 2011 a ser usado pelo RH da companhia de telecomunicações Orange S.A., na época France Télécom. O envolvimento de Grondin ─ um ávido contribuidor das wikipédia e wikinews francófonas, aliás, eu tenho que elogiar ─ se deu por consequência do caso de auto-imolação de um funcionário da France Télécom na frente do prédio onde ele trabalhou, nesse mesmo Abril. Rémy, 56 anos, quatro filhos. Immoler, imolação, pra quem não sabe, é atear fogo. Isso não isoladamente, isso não apartado de um contexto maior. Anos antes desse su!cíd!o, a empresa tinha passado por investigações trabalhistas que apontaram a France Télécom como um ambiente propenso ao assédio moral, violência de trabalho, insegurança financeira, condições degradantes, e continua. Em Abril de 2011 o alto echelon da companhia já tava no olho do furacão de um processo legal e midiático. Entre 2008 e 2009, foram registrados 35 su!cíd!ios envolvidos diretamente com a empresa, entre funcionários e ex-funcionários. Até o momento da escrita do roteiro, o ex-CEO Didier Lombard e seu assessorado [ou qualquer outro cargo desses do alto-corporativismo] Louis-Pierre Wenès foram condenados a dois anos de prisão, oito meses de regime fechado a partir dos quais tá liberada a suspensão condicional da pena, mais multa de 15k euros. Ao que meu francês instrumental me deixou saber.

</screenshots>


S/


<INT. CASA FUNERÁRIA ─ UM ÂNGULO MENOS IRÔNICO DO CENÁRIO ─ NOITE>

Coloco essas informações porque eu não quero tirar o diagrama da sua intenção inicial e fazer umas gracinhas com ele. Eu quero fazer umas gracinhas com ele, óbvio. Mas tendo essa intenção inicial, que foi, ao que me parece e me é acessível com as informações que eu tenho, ajudar a visualizar o modelo de luto da Kübler-Ross e sua aplicação pra descrever o estado emocional de uma equipe absolutamente traumatizada pelos su!cíd!os de seus colegas de trabalho. Su!cíd!os catalizados, mesmo que em parte, pelo ambiente de trabalho no qual essa equipe estava sendo instruída. De certa forma, por algum caminho, servindo de redução de danos. Explicar senão pra eles mesmos, o que já tem seus tons de ruindade, pro RH e-ou seus superiores, o que é perverso.

[pausa pra não absolutamente ceder sob o peso da crueldade do capitalismo]

Eu não quero banalizar a coisa de jeito nenhum, e eu preciso deixar isso bem explícito porque a ligação entre essa aplicação do diagrama e os temas do filme segundo a minha perspectiva e observação podem parecer insensíveis e de mal-gosto. A relação tá galho-baixo pro apanho da fruta. Contudo, essas questões se dão separadamente e eu preciso explicitar as duas pra deixar dito. A questão é que quando eu descobri esse diagrama alguns anos atrás eu não pude deixar de perceber a relação com a simbologia visual da órbita do planeta Melancholia, no filme Melancolia que, pra todos os efeitos, passou a existir certo tempo depois. Se cê desconsiderar o movimento da terra relativo ao sol, marcado pelo segmento de elipse, é a espiral do ‘Processo de conversão’ do luto.

Cê tem que levar em consideração que pra visualização da órbita certos processos astronômicos foram colocados por cima da base desse diagrama pra parecer mais legítimo, o que ainda deixa bem óbvia a relação. Cê vai encontrar fácil laudas e laudas de astrofísicos explicando que a dança é sem plausibilidade científica e tal e tal como se não fosse um filme. É pra ser uma espiral com uma curvinha mais longa pra dar a ilusão de afastamento e depois retorno repentino, igual, em certo sentido, ao diagrama; não é pra ser rocketscience. Eu não tenho como provar que essa relação faz sentido textualmente, se faz sentido intencionalmente, mas é fácil especular que Grondin já tinha esse desenho em algum lugar tempos antes dessa utilização, inclusive, e, provavelmente, já em uso pela Orga Consultants. Não é difícil imaginar um Lars muito que habituado com a França encontrando isso e achando interessante, acompanhando o histórico dele de largo-uso de simbolismos. Ou, até mesmo, essa forma de disposição gráfica da teoria é algo recorrente dentro dessas áreas da psicologia de luto, nos setores de PR, RH, Compliance, vai saber. Recorrência essa apropriada e-e/ou-ou refinada pelo Grondin. É isso o que eu quero acreditar porque dá um nível a mais, um xanty a mais. Xanty, lógico, corruptela de cantus firmus.

<INT.>


S/


<cenas do filem [sic]>

{música de volta}

(V.O) Tendo o Processo como mapa, vou chamar assim, Processo, porque algumas pessoas colocaram assim e é no mínimo macabro, dá pra entender como que o tema do luto de manifesta em Melancolia e o seu fio narrativo. O filme todo acompanha Justine do ponto de estase e tranquilidade, de Integração, sem o ‘re’, ao Evento-de-Choque do impacto. Durante o casamento a gente acompanha ela até Resignação, onde do começo à obviedade os sinais de despropósito, falta de rumo, desatino etc. mostram os naipes. Ainda na limo dá pra ver onde a felicidade dela parece mais estupor e chapação do que presença, a Dunst muito-provavelmente foi dirigida a esse tipo de apresentação letárgica e meio enevoada, e faz um papel ótimo nisso. Tem alguma coisa aí, já. Aí tem a cerimônia com o alemão do Bacurau, que é um alemão, atuando um alemão em outro filme. Algumas ponderações. Eu acho que a gente pode fazer uma paradinha daquelas gerativa-de-sentido pra entender umas dinâmicas em jogo. De um lado a gente tem o Jack, a mãe Gaby e John representando uma espécie de poise funcional. Jack é o boss, where’s my tagline, Justine, what happened? A promoção da Justine de copywriter pra diretora de arte é colocada no colo da capacidade criativa dela e dentro dessa dinâmica o esforço que ela dixava na carreira profissional, apesar de ser doente. Esse apesar é importante porque em várias cenas, principalmente com a Claire, é estabelecido que as crises da Justine não recorrentes. Pra mim isso é interessante porque eu sempre associei essa parte do filme a uma tentativa do auteur de retratar as oscilações entre hipomania e mania, no sentido de que a mesma verve que mantém ela funcional é aquilo que vai levar ela ao esgotamento total das capacidades facultativas &c. Gaby, pra mim, representa um certo recalcamento político de problemas mais emocionais e interpessoais que ideológicos. Gaby com certeza tá na jornada dela também, bota um pin nisso. Ela demonstra uma integridade moral erigida ao redor de processos altamente significativos e de-análise que não tem nada a ver com absolutamente nada que tá acontecendo ao redor dela, por motivos X ou Y de cope. Tem gente nesse mundo que prestigia as coisas com a ausência. Eu adoro ela, não me leve a mal. Mas a questão é que eu adoro ela justamente porque tá rolando esse desconectado aí, o fato que ela tá lidando muito-mal com questões internas e dando show por causa disso. Porque apesar de todas as colocações de profundidade e por-trás-das-pompas que ela fica emplacando com a camisa tie-dye de hipponga dela, que é o reluxo numa festa blacktie, ela não tá ajudando a filha dela de nenhuma maneira substancial, nenhuma das duas, aliás. Quando convidada à vida íntima da filha doida o conselho dela é ‘espirala lá, fia, paga-de-loka’. Pagação essa que, ao contrário de resolver algum nó narrativo, é justamente o que nos leva ao ponto em que ela tá na dificuldade de entrar sozinha num táxi. Tivemos aí, sabemos como é. Gaby-lendária. Inclusive, e eu acho isso o camarãozinho da segunda parte, ela não é cogitada ou mencionada pelas meninas no derradeiro do fim do mundo antes ou depois que o desaparecimento do Littlefather pra ficar com a família dele. Gaby é uma versão high-brow do pai ausente, Dexter, que, enquanto pai ausente, tem talvez uns cognitivos óbvios pra justificar, não desculpar, justificar, por ser tão away quanto ele é. Sim, ele é o alívio-cômico, mas ele é alívio-cômico na medida em que tem uns parafusos soltos, e isso não dá pra ser ignorado nesse filme. O John é meio óbvio então não vou comentar. O que eu acho que tá colocado nesse polo é a total irresponsabilidade com a vida íntima da Justine pra além do que ela pode externalizar, porque eles sabem: Jack associa ‘emoções’ com ‘incapacidade de trabalhar’ numa sutileza carregada, a mãe quer usar a crise da filha como um argumento anti-aristocrata e o John tenta subornar ela com grana. No outro polo, o pai, Michael e Claire, representam uma versão mais ‘empática’ e envolvida emocionalmente, mas incapaz. O pai falando ‘my dear girl, you look glowing today [I]’ve never seen you look so happy’ é uma facada. E, o lance das Betty, apesar de cômico, é sobre superficialidade, é um truque absurdista que aponta pra aloofness do cara e, de novo, uma certa incapacidade funcional. O pai é Polonius, se não tá escrachado o suficiente. Textbook Polonius. As cenas se banhando na estética da Ofelia não vêm gratuitas. Entre esses dois polos, a Justine tá completamente sozinha, exceto talvez pela criança. Mas a criança não tá amarrada a expectativas, ninguém vai acordar a criança. Mas mesmo a criança, a gente sabe, tá no desconhecimento da profundidade da coisa e da aproximação dessa massa avassaladora. Aplica essa lógica no que cê lembra dessas cenas, acho que cê vai achar interessante. Porque aí dá pra perceber um freudianismo leve acontecendo nos relacionamentos da Justine, lembrando da relação desse filme no pacotão que ele tá, com os outros dois-ou-três. O noivo Michael é a reiteração do pai e Tim a do patrão, profissional e emocional são de fato colocações textualizadas e funções às quais ela vai falhar miseravelmente. Mas enfim. O Processo não é sobre isso, em exclusivo. A primeira parte chega até os beirais da Catarse, onde já em sintomas mais colocados ela tá letárgica, melancólica, tristinha, rococó. No rolê da foto do pomar a gente tem que o zelo do noivo pra condição dela sai dele como uma iniciativa de cuidado e carinho e chega nela como um soco duplo-carpado no estômago. Primeiro [manter o dedo levantado porque é um longo primeiro] porque o processo de manipulação leve que eu falei antes que ela mantém é parte dessa poise funcional, que eu também falei, dela. O masking da Justine é ser uma agradável. Sim, ela tá mentindo pra todo mundo, a Claire não tá sendo injusta, não tanto quanto tá sendo insensível. A Justine é people pleaser. Acho que a escolha de copy pra profissão dela é levemente um comentário nessa direção. Então antes mesmo de entender o que tá rolando e qual que é o significado da foto e se ela tem alguma coisa serotoninamente-falando com isso, ela já tá esgarçando sorriso e agradecendo. O que tá valendo aí é a participação. Happy to be here. Qualquer feito na direção de agradar ela é deturpado pela performance da Justine de estar-sendo-agradada, o que estraga todo o bagulho. Ela tá no ímpeto contrário a toda força apontada pra ela, premunindo, voltando com o angu. A crise de verve e capacidade marcada pela aproximação do Melancholia só evidencia esse aspecto dela, já que, até esse ponto, a vida dela tá organizada dentro da pastinha-zipada da capacidade que ela tem de manter a pose de fazer o que ela devia tá fazendo. Pose essa que vai escapando à medida que essa hipomania-textual vai se transformando em mania e, consequentemente, em depressão. Segundo [levantar mais um dedo] porque ela, no momento atual de canseira e sintomas, tá incapaz de conceber a possibilidade de que exista no-mundo qualquer coisa sob o nome de ‘planos a longo prazo’. Gostoso demais que isso teja se dando dentro dum casamento. Eis a depressão, que rola, que dá-patinha, late, tudo-o-mais. O grosso da coisa, eu acho que muito brilhantemente, acontece off-screen. Da Catarse à Resistência a gente tem o processo de cuidado que a Claire dispõe na parte dela, a segunda parte do filme. A voz-narrativa ─ ou o olhar-cinematográfico ─ é transferido pra Claire nesse ponto e a gente passa a acompanhar a Justine através dela. Recusa/Raiva ─ nos termos do processo ─ tá na postura resignada que ela demonstra, tanto pro evento-visual-histórico da dimensão positiva da passagem do Melancholia, a boniteza da coisa, a unicidade do acontecimento, à dimensão negativa do ka-boooom. Não obstante Justine experiencia essa fase do luto com Claire, que o representa. Mas a coisa fica mais enevoada chegando no Evento. Porque o shift de perspectiva também implica que o Processo tá acontecendo com a Claire, que agora a gente pega nas minúcias, nas motivações dela na primeira parte e ressiginificamos ela a partir dessa nova intimidade. Mas. E um grande mas. Um túrgido mas; tudo isso assim posto são pistas pelas quais perceber a influência de qualquer forma de um luto-reverso agindo na estrutura narrativa e levando ela até os finalmentes. Existe ainda um no-que-isso-implica. O que o uso dessa estrutura nesse texto tratando esse tema significa, em termos de significado mesmo. E aí nisso eu vou ter que argumentar que Melancolia é sobre ideação su!cida.

</cenas>

{/música}


FADE TO BLACK


<imagem de fundo: qualquer coisa cottagecore>

<capítulo>

Parte 4 ─ VAI MULHER REAGE BOTA UM CROPPED

</capítulo>

</imagem>


TRANSIÇÃO DAHORA


<INT. BIBLIOTECA DO JOHN ─ NUMA DAS ESTANTES ─ QUALQUER HORA>

{música pode botar Depression Cherry que eu já combinei com o Beach House certinho}

Ai ai. Não querendo mudar de assunto nem nada. Mas e Don’t Look Up, ein? Quem assistiu? Esse filme foi tipo o Joker (2019) da esquerda-liberal depois da esquerda-liberal massacrar a galera esquisitinha que gostou de Joker. E faz sentido, porque, pelo menos pra mim, o Todd Phillips e o Adam McKay tem a mesma vibe e tiveram mais ou menos a mesma razão pra fazer esses filmes. Uau. Uauza. Então quer dizer que essa onda de Director’s Cut realmente virou a Alta-Grana se sentindo confortável de novo em fazer quatro horas corridas de filme, bacana. Fui no banheiro umas duas, três vezes. Fui mas fui calmo. De bexiga cheia, um bom sinal. Significa que eu posterguei por algumas cenas, dei pra tela um tempo contra o melhor julgamento do meu fisiológico. O que significa que eu gostei, pelo menos pontualmente. Teve muito evento histórico nesses últimos dois anos pros quais eu não segurei mijo. Pior, voltei pro filme depois de pausar, um ótimo sinal, peguei água, peguei trem pra comer, aí sentei bonitinho pra continuar. Já faz um tempo que são poucos os dignitários desse luxo. Ultimamente nem série. Tem episódio que eu corto pra mais de cinco dias. Assim de saúde. Mas não é porque o filme é muuuuuito bom. Fuçando o IMDB e o letterboxd da galerinha, a moda que eu vi foi gente martelando o ritmo e jogando flores pra crítica social. Crítica social foderosa pique Arroba-cagando-bem-nu. O geral é de que a coisa desse filme todo foi ‘necessária’ no sentido em que uma tread de infográficos é ‘necessária’, mas que a execução dessa conversa-que-a-gente-precisa-normalizar-e-tá-tudo-bem foi pretensiosa e peleguista. Pretenciosa porque o McKay é, na boca do povo, aparentemente, não tenho nada a ver com isso, pelo que pude coletar, tô falando mas não é meu, um Tyler Perry branco. E nessa onda o roteiro parece ser o tour-de-force de alguém que se sentiu acuado a fazer um comentário sobre tudo-isso-que-tá-aí-tá-ok nos últimos dois, quiçá seis, anos. Mas eu acho que a moral-da-história ser um call-to-action, um levantamento-de-armas na direção de qualquer coisa, faça-merda-mas-faça-algo, me pega imediato em: o cara fez um filme, a galera fez um filme, né, melhor, que não é coisa individual. Eu sustento a opinião de que cinema não é coisa só de quem sabe fazer, o que em si é uma posição radical, pra defender esse específico. O cara fez um filme, tá ele ali e a Eliane Brum. O que mais cês querem que eles façam? Pode não ser muito bom mas com certeza é bem-feito. Não acho que qualquer tema deva ser prerrogativa de quem é humilde. Vara daqui jesuíta. Sai pra lá coroinha. Quem que vai ficar fiscalizando a humildade narrativa dozotro? Enfim. E ele seria peleguista porque enquanto comentário, enquanto um filme que serve de comentário a algo, não tão comenta como ‘saca’. De novo a comparação com Joker faz sentido. Não é um avanço de debate, não é um estudo. É tipo alguém ouvindo uma música dahora pensando numa parada que já aconteceu. Lógico que nada disso que eu tô falando é crítica de cinema estritamente, mas é mais uma avaliação das vibes. A nota em português mais curtida que eu vi num desses sites deu 3/5 pra esse novo filme do Porta dos Fundos, segundo ela mesma. A ideia é mais ou menos essa. A gente subverte uma coisa aqui e ali, uma das que mais estapearam a minha cara por atenção foi o personagem da Meryl Streep ser não apenas o Trump mas um tipo de híbrido Donald-Hilary cuja oposição é citada incessantemente mas permanece lacunar. É a ‘política’. Uuuuhh. Faz pensar.

[eu conferindo alguns papeis onde tem algumas anotações sobre o filme e percebendo in loco que eu não tenho muita coisa pra falar]

Em Don’t Look Up o evento de extinção global serve como plataforma pra explorar e tirar sarro d’as-coisas-como-estão com relação ao negacionismo científico em torno da C0VID e as relações de poder a nível global às quais esse negacionismo serve. [conferindo as notas] Preponderantemente, o filme é sobre capitalismo global, dentro do qual os maiores pontos são corporativização dos interesses públicos na cooptação dos poderes do Estado pelo liberalismo voraz e a biopolítica do bem-estar superficial que garante a estabilidade do consumismo e jornadas de trabalho. [olhando o verso duma folha] A parte do corporativismo é o seguinte: o Jeff Steve Apartheid Jobs Clyde Bezos interpretado pelo Mark Rylance existe como essa caricatura do sonho ancap do superhomem [uma pessoa menos segura-de-si soltaria übermensch] intelectual, deep-blue de carne-e-osso, bom não porque é moralmente compelido mas porque a bondade flui no caminho do progresso. Nisso existe uma mundividência que nem precisa ser evidenciada. Em Melancolia a gente tem até um pouquinho de discurso de classe, mas obviamente não é sobre isso. John não trabalha especificamente com nada, ele tem hobbies e old-money. Um flex típico de classe-operária: quando eu era criança meu grau de miopia aumentava mais rápido que o fim das parcelas do último óculos. Como é ser rico? Como é enxergar? Isso, e viver em metrópole, me fizeram crescer bem sem-graça com esse lance de ver estrelas. Nunca vi, nunca liguei. Já brinquei de Skymap no celular dos outros, que além do giroscópio básico eu nunca tive um com bússola. Como é, realmente, viver encharcado na riqueza? Mais que isso, nada. Astronomia não-profissional é um índice de privilégio bem óbvio e dado. Diferentemente, a J-Law trabalha com astronomia, tá morro-acima contra um sistema que instrumentaliza o knowhow dela. Claire se associa a esse valor-de-ócio por ser esposa do cara e tal e tal, a mãe delas serve muito ao propósito de denunciar essa forma de traição moral. Justine trabalha e tem uma carreira, mas por uma série de sinais é notável que a coisa não se dá pela necessidade de um contracheque-por-contracheque. A Justine trabalha mais por masking. O que sangra pro casamento, pra que casar? O casamento da Justine é, em certo sentido, a recorrência do fenômeno de ascensão social e simbólica que começou com a Claire que mamãe não gosta. Não tanto pelo fato de que o Michael é amigo do patrão da Justine, mas pelo presenteamento do pomar. De novo a cena do pomar. A sensação de despropósito é justificada na lógica formal, ou quasi-formal, de que propósito pressupõe futuro. Isso tá dado, é o dodói dela. Mas tem outra paradinha fermentando nisso. O simbolismo materialista, economicamente falando, fisiocraticamente falando, da posse de terra, mesmo que disfarçado nos lacinhos e papel camurça duma narrativa de envelhecimento. Ele, o símbolo, é desdobrado no simbolismo materialista, agora numa vibe mais holística e religiosa da palavra. John tem terra. Michael tem terra, agora. E por algum motivo a gente pega a vibe de que a mãe da Justine é desapossada e meio nômade. Existir financeiramente nesse espaço de saudosismo Tory-aristocrata e de dinheiro-com-lastro vai de encontro ao desapego niilista da Justine, em oposição a ele. Trabalhando, o que já é brega, mas trabalhando em benefício de um serviço imaterial e especulativo, trabalhando com capitalismo-tardio. Lembra da interpretação macha? Bom, ela tem um certo lugar. O número de buracos de golf não importa, dezoito, ‘o dezenove sendo o limbo’ como a galera adora se apegar nos anódinos. O número não importa, John, ao caralho com as macieiras fazendo sombra pra daqui dez anos, Michael. Leva essa porra pra criançada do Dear Evan Hansen. A Justine tá trabalhando aqui com intervalos de meia-em-meia hora, se pá. A lendária tá rabiosa e animalesca. O valor dessas coisas enquanto coisas-de-valor depende do sistema de apreciação aristocrático que a festa de casamento representa e para a qual nossa Ofélia-ferida não consegue cagar quadrado nem na intimidade do casal. Ela tá real se-mijando de nem-aí. A lenda é literalmente neurodivergente, gente. Respeitar. Mas ainda, mais, extrapolando, o valor dessas coisas enquanto objetos depende também dum bagulho que a lenda mais-que-justa-Justine não dispõe nessa festa-branca, que é uma perspectiva de futuro, que eu já falei. Mas antes quando eu tinha falado eu ainda não tinha falado da temática da ideação, agora a gente sabe o grosso do porque ela não consegue conceber esse futuro, bota um pin nisso. Chegando na casa dos 30 minutos, uns cortes antes da cena da banheira, Justine vai botar o sobrinho dela pra mimir e acaba mimindo junto. Indo caçar mais uma vez do desaparecimento-total uma das duas únicas pessoas cuja presença depende o continuamento do cronograma da coisa, Claire quer saber o que tá acontecendo. Qualé amiga? E é imediatamente presenteada com preocupação pela saúde mental da irmã que não cabe no banal de cortar bolinho e ouvir instrumental de música latina de cruzeiro de férias, o surto. A gata tá alucicrazy das ideia, é a realidade em que a Claire se encontra. A gata deu off no fantoche. Mas nessa cena o que a gente sabe e ela não sabe, e a gente sabe que ela não sabe, a Claire, é que a espécie de pesadelo-barra-metáfora-barra-alucinação que a Justine tá descrevendo faz parte do que eu vou chamar de powerpoint de simbolismo, que são os stills em câmera lenta na abertura. O fato da Justine poder descrever uma das cenas que acontecem na abertura implicitamente implica na existência desse slideshow ao som de Wagner no universo interno do filme, no coco da Justine, no diegético, como parte do porquê-e-como ela sabe que o mundo vai acabar. E na marca de aproximadamente uma-hora-e-meia de filme, no diálogo entre as irmãs, a gente fica sabendo que a Justine sabe que o mundo vai acabar. Guarda isso na cabeça. O resumão visual do começo do filme representa direta-ou-indiretamente, de alguma forma, as piras da Justine. A falta de ar do Melancholia roubando parte da atmosfera, o pesadão da atração gravitacional dum outro planeta por baixo do nosso, isso tudo a nível simbólico e, abre-e-fecha aspas, literal. É um bem-vindo arremate de explicitação, Melancholia é talvez o filme menos indulgente do von Trier. A festa, o pomar, o casamento, o emprego, nada faz sentido: nada faz sentido pra ela. Ela vê o fim, ela sente. Stop dreaming Justine. [olhando as notas] Mas eu tava falando o que mesmo?

{/música}

</INT>


S/


<cenas de Don’t Look Up>

{música dark academia pra fechar o capítulo}

Ah. Lembrei. É difícil lembrar, o ponto tá aí, porque, apesar de eu querer me garantir no ódio ou num argumento super convincente, eu não tenho muita coisa pra falar de DLU, bora abreviar. Eu gostei bastante da cinematografia e da edição. A interpolação de cenas que acontecem separadamente mas em um curto período de tempo são não-ironicamente bacanudas, é tipo a subversão daquele trope de filme de assemble em que tem uma montage da galera explicando o plano e executando ele simultaneamente. Como a narrativa é bem classicona-linear de atos esse vai-e-vem das cenas se entrecortando deixa a coisa real mais interessante. Essa mão-pesada no ritmo do filme dá uma abertura maior pra inserir uns takes nada-a-ver como o da foto da Presidente Orlean com a Mariah que servem ao propósito da construção de personagens e o tom geral de humor&piadas. Dessas interpolações, ainda, eu gosto dos reaction shots do pessoal ao redor do mundo de frente pra TV ou outros aparelhos, também os pedacicos de Discovery Channel; é a ambientação da coisa, é tudo que vai deixar de existir, cê tem uma chance de apreciar todas essas coisas num tipo de passagem What a Wonderful World que deu um tequinho de anfetamina, pra não ficar chato. Eu sou viciado em comparar qualquer coisa com e falar que foi inspirado por Koyaanisqatsi, e nesse caso sepá eu consigo imaginar que eu tenho um pouco de razão. Mas daí pra frente amarga, amarga o que eu acho do filme. Essas cenas que eu tô chamando de reaction shots, mas com certeza são outra coisa, servem, algumas das vezes, pro propósito de contribuir com o ‘discurso’ sobre redes sociais e vício e banalidade-do-banal e cê-sabia-que-black-mirror-é-quando-a-tela-do-seu-celular-desliga-e-cê-se-vê-refletido. Não, eu não sabia. Eu uso película fosca, não existe motivo nenhum pr’ocê não usar uma porra duma película fosca hoje em dia. Esse discurso perpassa os comentários sobre a mídia em-geral com o The Daily Rip e o tipo de comentário sobre televisão que já fazem três gerações que a gente tá fazendo e a temática hedonista patológica introduzida pela cena da inauguração do BASH LiiF e carregada pelo resto do filme pelo thru-line do Alprazolam. Eu juro que não foi querendo mudar de assunto que eu mudei de assunto. As coisas vão chegar. Perainda.

{/música}

</cenas>


S/


<imagem de fundo>

<capítulo>

Parte 5 ─ A SPOONFUL OF XANAX MAKES THE MEDICINE GO DOWN

</capítulo>

</imagem>


S/


<INT. A DROGARIA AQUI PÈRDI CASA ─ BALCÃO ─ 24H>

{música musak, se possível de K-Mart}

Não sou da área da saúde, mas, sendo da área da doença-mermo, minha impressão sempre foi a de que Alprazolam é o viagra dos de-cabeça. E o DiCaprio, nesse filme, sendo um homem de ciência, quando a gente fala do viagra literal, toma Cialis. Quando o Cialis é Cialis mesmo. Bota fé? Minha analogia pode ser falha, pode ser o fato de que eu não sou benzo-gal, eu sei que de fato tem gente com menos de trinta compartilhando meme de Xanax por aí porque sei-lá-o-que-core é coisa de gente pra menos de vinte e esses trem se junta, mas não posso falar com certeza, não conheço jovens.

[de prop eu vou comprar uma caixa de caixinhas de Tic Tac de laranja]

O que fica pra mim do uso e referenciação de remédio de-cabeça pelos personagens é que a gente tá numa nova era medicamentosa, outros paradigmas. Esse é o meu primeiro ponto. Em 2021 a gente já pode dar o nome, mesmo que seja o comercial. Na cena com a esposa, que eu adoro, nem preciso dizer, ela fala que ele toma Sertralina pra crises-depressivas. Aí já é mais minha praia. Só que eu não consigo conceber essa usagem, de novo, não sou da área da saúde, mas eu tenho certa experiência própria e convivência, forçada, tô zoando, com gente que também tem experiência própria. Uma das piadas da cena é a Mindy falar a função desse remédio e ele responder ‘not so much recently’ porque, cê sabe, ele tá sendo cavaleiro-do-apocalipse secular, transando frenético com a âncora do programa matinal, com a âncora segurando na baía o barco da realidade, sepá, quem tem tempo? Zero problemas quanto a uma mudança de rotina dar o giro necessário pra outros recursos e prioridades, tudo aí faz sentido na justificativa. Mas ele parou de tomar o remédio? E o desmame? Os sintomas da descontinuação fazem parte do resto do enredo em que ele se desespera e advoga pela sinceridade? Hm, não. O filme não tá trabalhando nesse nível. Foi uma piada; set-up, punchline, esquece. A jornada dele de sofrer o mesmo surto público que a Dibiasky tem a ver com o que eu tinha falado antes sobre o BASH LiiF, o The Daily Rip e o Alprazolam; Silicon Valley, grande mídia e big pharma, respectivamente. Maybe it’s supposed to be terrifying, why aren’t people terrified? Bom, porque a caricatura da tecnocracia cibernética tá implementando um algoritmo que te manda pro terapista mais próximo, so the sad feeling never returns, entende? Talvez seja uma indireta pra serviços tipo Better Help, mas pra chegar nessa conclusão eu tô dando uns créditos imerecidos. Muito mais provável é sobre uma interpretação específica do significado de terapia, não do personagem, do texto. Que mais? Ah, a televisão sendo a transcrição de qualquer um dos ensaios do DFW sobre ironia nos US. Que mais? [procurando embaixo do balcão entre as balas Valda, saquinhos de mel, cortadores de unha e manteigas de cacau] Ah, estamos sendo entorpecidos pela biopolítica do episódio dos Simpsons que a Lisa fica vendo emojis nas coisas. Uaaaaau. É sobre. Por favor. Tem gente na internet que é assim, ainda. Aquelas imagens que o celular tá cavalgando de sela no pescoço duma pessoa, aquela que os likes saem da tela e viram comprimidos na boca do jovem, cê sabe o que eu tô falando. Aquelas agora do homem-acorrentado-pelo-peso-da-própria-pica, homem-de-saco-cheio-de-estar-cheio-nos-bago, homem-das-propriedades-essenciais-assindéticas-e-sintéticas-presentes-e-necessárias-à-vraisemblance-representativa-das-grandes-mentiras-que-a-gente-tem-que-contar-pra-nós-mesmos-em-função-de-fazer-aforismos-serem-tudo-isso-que-aparentemente-a-gente-tem-que-fingir-que-são-num-tête-à-tête-com-quem-a-gente-é-ou-tá-sendo-numa-tarde-bem-recaptada-no-ramo-da-serotonina-mal-produzida, homem-fazendo-um-video-essay-sobre-a-inutilidade-útil-dos-discursos-desprovidos-de-sentido-sobre-situações-altamente-significáveis. Eu mutei a palavra existencialismo de toda rede que tem essa função, pode checar. Se cê vier com essa pro meu lado cê vai ficar no limbo, no limbo-do-homem-que. Acho fofo. Tem até gente doida que ainda é assim. I wanna feel the pain, man. Eu tô proibido de chegar perto de quem tá passando por dificuldade nesse campo, limiar e tudo. Fizeram B.O, vey. Porque no fim do dia a gente tem que lembrar, é o que involuntariamente eu penso, que 2011 faz uma cota e eu tô tematizando esses temas desde essa época e foi só nessa época que eu soava assim. Não tem quantidade de empatia aplicada à terapia CC que consegue me desvincular dos processos cognitivos de associar esse tipo de essencialismo com adolescência, porque quando eu tava conceptualizando essas ideias e levando elas a sério nas suas últimas consequências eu era, de fato, adolescente. Era de Don’t Jump pra baixo minhas playlists. E conforme eu fui crescendo, e entenda, conforme a progressão, digamos dialética, dessa ideia, dentro de mim, se deu cronologicamente alinhada com o fato que eu fui crescendo, eu vi melhor. Não, querida, cê não é sua bad, vai se tratar, garotah. Não, querido, passar fisicamente-mal argumentando com facho num almoço de domingo, facho esse do qual depende sua saúde financeira, inclusive, não é bote de guerrilha. Não, queride, goblin-mode não é uma metodologia organizacional, bora varrer esse quarto, cê tá com furúnculo no pé. Entende o que eu quero dizer? Faz sentido? No filme essa significação é inevitável, ao contrário da vida real. A narrativa é sobre torpor social e inação, é sobre desapoderamento e peleguismo, é sobre, em suma, a legitimidade de ações revoltosas e desmedidas feitas no quente da hora, porque é no quente da hora que tá o humano, argumenta o filme. E aqui tá o truque: revoltosas, não revolucionárias. A legitimidade, discute aqui o legítimo, o válido, o não-aceitar-pelo-menos-respeitar da coisa, a economia-da-autoestima da coisa, mesmo que não leve a nada. Falar que fez já vale. A legitimidade do furor e do terror diante injustiças implica necessariamente o despareamento do indivíduo das estruturas simbólicas, morais, sociais e químicas que promovem a estabilidade. Todo inibidor, nesse sentido, é cúmplice do sistema. De certa maneira DLU é sobre hybris, um elogio a ela, pra quem gosta. Então, tendo isso na cachola, é fácil ignorar as implicações mais sinistras e perigosas relacionadas ao fato de que um filme que saiu em 2021 ainda achar apropriado ficar cagando bem molinho na cabeça da psiquiatria. Foi uma sinuca-de-bico que aconteceu no roteiro. É consequência do tabelado do tema. Eu não posso reclamar, muito. E, dentro desse lance representacional, tem doido que real acredita que tomar remédio é sim uma violência arquitetada contra o elã vital do que há de mais genuíno e etiologicamente humano do de-dentro do fundo-profundo de cada um de nós. Kumbaya my Lord, kumbaya. E tudo bem. Se eu gaguejei é porque meu advogado tá me cutucando aqui, fora de frame. Essa é a posição também, ouso especular, do Lars von Trier.

{/música}

</INT.>


S/


<cenas stock de gente tomando merrédio>

{música beeeem musical, a essa altura é o que pede}

(V.O.) Em 2011, no filme que lidava precisamente com o individualismo-atômico das doenças mentais, o que há de clínico e cê-não-tinha-marcado-consulta-pra-hoje da coisa, o nem-sequer-existe-uma-sociedade-pra-fora-desses-personagens-ilhados-aqui-na-tela da coisa, o fármaco não foi nada além de uma ferramenta do enredo. O fármaco, sem nome nenhum, sem específico, sem maior definição, é uma espécie de cristalização do estereótipo. ‘Ah, remédio de-cabeça, dahora’. A Claire chega claramente [risos] perturbada com os ‘de dormir’ dela nesses potinhos americanos de chocalho-de-hospício e guarda eles numa gaveta à chave, numa cena que se desdobra nos moldes da pistola-que-papai-esconde-em-cima-do-guarda-roupa. All the other kids with the pumped up kicks better run better run faster than my med does. É um bagulho perigoso, a medicina, nesse filme. Quem fraga a linguagem cinematográfica ao redor dos objetos vai sacar o que eu tô falando. Quem não tem essa experiência e quer sacar, esse é um bom caso de estudo. O remédio é um se-precisar. E é lógico, o payoff disso tudo é a personificação da Negação no universo do filme enchendo o cu de overdose. E, até doi lembrar. Mas quando eu assisti Melancolia nas primeiras vezes eu era inocente demais. Casual reminder de que quando esse filme saiu eu tinha doze-treze anos. Eu achava que ela ia tomar os remédios pra se acalmar, ué. Que aí veio o John e estragou tudo e agora ela ia ficar o pó da rabiola, cheirando o cristalino da própria ansiedade. Tem disso também. Mas o que eu vim a perceber conforme a maldade foi tomando conta de mim na maneira que eu entendo as coisas que eu consumo, é que não. Provavelmente não. O enquadramento do remédio como pe-ri-go é absoluto e esmagador pra ela tá na ideia de seguir bula. E eu entendo ela, na situação que ela tá, ela é uma boa mãe. Ela tá planejando, pro pior dos casos, murd3er-su!. O erro do John foi não ter levado a criança junto. O plano era esse.

{/música}

</cenas>


S/


<imagem editar uma raquete de ping-pong pra ter Melancholia de bola>

<capítulo>

Parte 6 ─ BATHY-REBATHY-FINGE-QUE-BATHY-FAZ-CARAAAAAAAUM

</capítulo>

</imagem>


S/


<cenas de Melancolia>

{música musak de novo}
 
(V.O.) Mas e a Justine, já que o John é a Negação, e a Justine é a personificação de ser doida? O médico da família prescreveu geleia pra ela? Qual que é? Joguei fora seus remédios, os Ateus vão te curar. E eu não tô aqui pra duvidar da alopatia de um bom pico de glicose, fui salvo vezes demais na minha vida por uma boa duma panelada de brigadeiro. O que eu fico pensando, e na real não consigo não-pensar nas últimas vezes que eu assisti Melancolia, é que existem inúmeras maneiras de incorporar um regime de tarjas-pretas na malha simbólica do filme sem perder nada, sem aguar nenhum grande tchan intencionado pelo auteur, nenhum xanty. O que há é a escolha datada, eu acho, e irresponsável, de perceber e interpretar o ato de se medicar a partir do polo Clair-John exclusivamente. O ato de absoluta frouxidade-de-cu e pragmatismo vazio da narrativa, não dos personagens. Joguei fora seus remédios, Justine: a romantização metafísica do estado catatônico de depressão CID-J número-número vai te salvar, é só ter fé que quem cê é agora, não importa o quão miserável, é um estado essencialista-tautológico de sinceridade d’alma e quem cê é é válido mesmo te matando. Longe-de-mim simplificar mas tem vez que é simples assim, padecer se torna um argumento de genuinidade. E pior. Um dia ela acorda melhor, chocando o senso de continuidade dos noobs, dos plebs e dos casuals. Um dia ela simplesmente melhora. Jornada do herói. Sola fide. Deve ter lido algum post no Setembro Amarelo e se sentiu validada demais lá pro terceiro ou quarto slide mal diagramado com dicas pra quem é de fora. Tô sendo meio irônico e tudo mais. Mas o ponto é mais ou menos esse mesmo. O planeta. É o Melancholia. Não é ‘apesar de’, ou ‘coincidentemente com’, mas justamente porquê o fim tá próximo é que ela melhora. É a manifestação mais sólida do conteúdo da ideação su!cida. Prum bom leitor de arte gatilhosa e su!fuel de internet, coisa que eu fui por grande parte dos meus anos formativos, a dança-de-morte do planeta Melancholia é sobre isso. Saca? E é absolutamente cruel o quanto o diagrama do Grondin sobre as fases do luto se encaixa nisso. A espiral contrária do Processo tem como Evento a própria morte, seguindo o glaceado do filme. A fixação na Ophelia do Millais e em Tristão e Isolda não é coincidental nem sutil nem levemente explorada. Até Hunters in the Snow do Bruegel-velhote desinrela o tema de su!cidio e olvido ─ olvido de Ó-éLe-Vê-I-Dê-O ─, de esquecimento, via Solaris. Pra quem tá-sabendo, Hunters in the Snow é só a sua usagem nesse filme pela usagem no filme anterior, e o Lars von Trier sabe, ele é a única pessoa no mundo que eu boto fé que viu Solaris mais que eu, provavelmente. Se cê não é familiarizado com Bruegel vai lá e dá uma olhada nas obras dele e responde essa pergunta na sua cabeça: por que não usar qualquer outro quadro do cara? Melancolia é sobre, transitando dum nível bem abstratinho pro óbvio e blasê, o ímpeto e pulsão de se desv!ver. No Minecraft, claro. Sem demonetização aqui ─ nem demonização, no limite do possivel ─, youtube. Não tô falando sobre nada real. Um comentário ambíguo e de-passagem sobre o desvio de função que a arte se propõe quando se debruça no abstracionismo: a superficialidade e as pompas que a festa de casamento e John em grande medida representam, se cê parar pra pensar, têm a mesma função antagonística que o capitalismo em DLU. Nossa lady Justine, honesta, amiga de verdade, sem papas-na-língua, sem pisar-em-ovos, genuína, heroica até, tá desvelando as camadas de insinceridade pra nos revelar, enfim, o concreto armado na estrutura das coisas. Ou ela pensa que tá. Ou o filme. Mas a gente ainda tem tempo de trabalhar isso mais pra frente. A diferença fulcral entre essas duas mídias é o que que tá colocado como resposta ao real.

{/música}

</cenas>


S/


<INT. A DROGARIA AQUI PÈRDI CASA ─ BALCÃO ─ 24H>

{música se possível irmos com uns minutos de silêncio}

A incoerência de Melancolia no nível abstracional em que os powerponts interplanetários no overture são diegéticos e são parte dos sonhos que a Justine tem enquanto sintoma depressivo é dar razão pra ela. Ela é literalmente a cartomante desse romance, não literalmente, mas dá pra entender. É bacana que o filme não faça uso do formulaico de nos fazer indagar se vai ou não-vai bater. Vai bater. Nesse sentido a gente sabe também, em DLU, que vai bater ─ apesar do plot fazer a graça de umas três ou quatro vezes achar que pode tirar o tapete de por-debaixo dos nossos pés ─, mas aí é um comentário sobre como a gente lidou com a pandemia de C0VID. Em Melancolia, considerando o frame e tudo, a gente pode reinterpretar os processos de desengajamento social, emocional e profissional dela a partir da sabença de que tudo tá acabando, porque ela magicamente sabe. Pin nisso. Não, tira o pin, vou continuar essa ideia. O filme dá razão pra lógica de desengajamento e anedonia dela já que nesse nível abstracional a antevisão do fim não é nada mais que a manifestação patológica e fixada do ímpeto por um fim, não é de-se-esquecer que ela é ill. Justine tá procurando vigas e arames, ludicamente-falando. Ela tá trabalhando fortemente no lacunar com a gana pra que tudo termine, daí a sedução hipnótica que ela tem pelo planeta, daí o pareamento dela com a carta da Estrela no tarô e Claire com a Lua. Sim, KABOOOOM, cabô. Férias. Ela tá bem brasileiro antevendo feriados. O enredo dá razão pra ela na conversa com a Claire na marca aproximada de uma hora e meia quando, além de varias piras que eu não vou nem abonar-pelo-reconhecimento de que aconteceram, mas pra além das piras dela ela sabe precisar o número de feijõezinhos do desafio de apostas no casamento. Bem meta. Falei sobre isso na síntese do plot e não vou falar de novo. Em Melancolia, ao contrário de DLU, onde o apocalipse é o apocalipse mesmo, é a pandz, Trump, bilionário tendo o saco lustrado com a língua de otário, entre outras coisas pontuais, em Melancolia o apocalipse é one-hunnid alegórico. Eu falei que a gravitação é uma alegoria, mas esquece. Alegórico é o fim do mundo, a dança, o Processo, ao qual a gravidade serve como elo e função. O fim do mundo é extirpado dos específicos racionais e recebe o peso de ser uma alegoria. O leia enquanto alegoria. E enquanto alegoria é sobre depressão e mais especificamente sobre a Justine, sendo dodói, simultaneamente correndo perigo e perigando muito. Ela sendo a única que sabe com-certeza e sem confirmação externa o que vai acontecer no futuro imediato meio que entrega o jogo, mesmo com os meandros metafísicos e clarividentes que a narrativa dá, é o sinal. É a 🚩. Ela é a aproximação por meio da sua própria vontade. Vou compartilhar mais um ponto super exclusivo e que fica-aqui, não espalha. [cochichar essa parte toda, conspiracionalmente] Segredinho nosso. Mas tá de-bandeja. A criança chamando a Justine de aunt steelbreaker é razoavelmente entendível de algumas maneiras, primeiro na incapacidade dela, a criança, de perceber as nuances pelas quais a tia dela é, na verdade, frágil e necessitada; e, contraintuitivamente, mas com certo-sentido, pode ser um argumento de resiliência, que ela é forte porque e apesar-de. Entre essas duas coisas fica o seu completamente pessoal-e-intransferível de se cê idealiza criança ou não. Que a criança pode ver através do masking e valorizar o esforço da Justine de se manter erguida é bem Pequeno Príncipe da sua parte e eu respeito demais. Mas com que prazer eu descobri que o arame que eles usam como ferramenta rústica pra determinar o movimento do Melancholia, arame esse que o John gentilmente atribui a criação pra criança, é chamado de steel uma vez. [/cochichar] Uma vez! Basta pra mim. Eu sou a pessoa que se prende ao anódino. Pronto, fui pego. Steelbreaker pode ser lido então como o retorno do Melancholia e sua aproximação final, aproximação essa em que ele se torna grande demais já pra caber no aro do arame [chef’s kiss]. Eu tô praticamente fazendo um filme pro cara. Mas de volta pra Justine ser a Wanda. Meu três-reais nisso é que tudo que ela fala sob essa guisa de misticismo e espiritualidade é pra ser lido exatamente como coisa da cabeça dela, e não como um processo diegético e assinalado na lógica interior da história. E quem sabe, sabe. No mesmo ímpeto em que o impacto é uma alegoria, essa clarividência é uma manifestação disso mesmo. Igual ela. Que sabe. Longe de esparsos, os sinais tão te acenando com uma mão e assoviando com a outra. Mas fosse sobre su!cídio, o filme seria sobre isso, certo? Rolê-é que o filme quer ter todos os bônus das interpretações possíveis. A inevitabilidade da colisão é a romantização desses processos pros quais a força gravitacional serve de alegoria. E suponho que sabe também o porquê que incluir ou excluir a psiquiatria clínica nessa equação não faz diferença. Há só uma sabotagem heroica de diferença, assim como com toda forma de significação interpessoal que vai acontecendo e é futilizada ao redor da Justine por ela mesma. Em Melancolia a depressão não é doença. É um mood. Pior, um moodboard pra ficar falando que leu Trauer und Melancholie (1917) e Schopenhauer. É coisa pra quem usa ‘arquitetar’ como o verbo de objetos imateriais. Ela se sente mal. Ela se sente catatonicamente, debilitantemente, insuportavelmente mal. A gente fica por aí e arremata com umas tiradinhas de filosofia continental, a gente vai pra ontologia da coisa porque é aí que nos será revelada a boniteza que serve de vaso pro vácuo do nada. Justine Glaukopis tá chegando com a Verdade pálida, é órfico, a gata volta do abismo com os brilhantes no braço. E isso é um porre de ver. Desculpa. Tem gente que se identifica real, desculpa. Vim reparando que cada vez mais eu não aguento olhar pra cara da Justine perto do fim do filme. Que história é essa de julgar a forma que a sua irmã quer morrer no inevitável da morte? Que história é essa de negar uma bebida pra dona da bebida, coisas que nem vão existir mais daqui-um-pouco, dona e bebida e ocê e tudo? Todos esses anos e eu interpretando essa cena como ela pensando em como integrar o sobrinho nos últimos momentos pra que ele, o mais frágil, sofra menos. Não. Inocência demais. Na verdade, de todas as pessoas, Claire é a única que pensou no menino. Os remédios eram pro menino. Morria que nem via. Morria dormindo, o anjinho. Que história é essa de morrer graciosamente na grama, significando? Significando o quê? Significando pra quem? Tem uns nomes específicos na literatura médica e literária pra quem acha de bom tom significar pra-além da própria morte o ato de morrer em-si. Martírio não é um deles, não nesse caso, já que o fim representado pelo planeta é omnizante, total. É um presente que não se desdobra em futuro de jeito nenhum, com-ou-sem interferência. Não tem um contexto político ou de manifestação rolando aí. Não tem a que ou a quem manifestar. A Justine não é um monge se auto-imolando em público, apesar da caverna parecer uma pira funerária e apesar da escolha artística de representar o impacto com fogo. Ela tá significando pro filme. Ela tá significando pro Lars von Trier de madrugada bebasso escrevendo esse roteiro e pensando umas coisas pesadas demais. Eu não vou ligar pra ninguém próximo do Lars von Trier e pedir pra checarem se ele tá bem. Me reservo ao direito de não ligar. Ela tá significando pra dodói assistindo essa cena de olho arregalado. Mas, amadah. Justine. Amadah. Insere aqui uma reação que a Claire despoja no vero fim do mundo que não seja absolutamente justificável. Te dou um tempo. Ao contrário d’ocês eu tenho a tarde toda. Isso falando de desespero. Eu desafio. Vintão na mesa. Como assim encarar de forma saudável a mortalidade? E que forma é essa? Que isso? Cê tá metida com orientalizar e banalizar o Budismo de novo, Morena? Que metafísica montada de lógica é essa? O que que tem de tão mal num pilequinho? Se todo mundo começasse a mandar estrela desde quando o planeta dá retorno até o momento do impacto eu ainda ia olhar pra esses personagens com a cara serena. Tem muita coisa que aquele shot da mãozinha jogada tipo Marat assassiné, tipo Citizen Kane, em DLU, diz, que Melancolia não tem a audácia de dizer nesses ultimos minutos corridos. Melancolia não tem a audácia de se encarar dentro das implicações do próprio insight. Que porra de beiçola de disquete é essa que a Kristen Dunst tá sendo dirigida a fazer pra galera agindo como gente? Isso me lan-ça. Sorte sua que todo mundo morreu mesmo. Por Deus. Na próxima sua, se dependesse de mim, cê tava mofada no ponto de taxi. Escrota. É na diferença de tom entre a Claire falando ‘bath’ pra uma doida legitimamente passando mal e a Justine em ‘what I think of your plan’ pruma ideia super válida e também legítima. Eu passo mal. Eu não posso assistir esse filme nunca mais, tá me amargando. O rolê é que isso só faz sentido dentro do cimento-armado da alegoria. Nessas últimas conversas que elas têm tem alguma coisa que coloca a Claire no lugar da sobrevivente daquilo que a aniquilação total significa, mesmo que na narrativa ela vá morrer tanto quanto qualquer um na bôta-de-piton do Melancholia. Claire é quem tá experienciando a perda e tudo mais. Essa perda é a da Justine, na alegoria; da criança e do John, no texto. A tristeza é meio essa. A gente pode jogar um pouco com a ideia de aparelho psíquico e dispor as coisas pra que as duas sejam efetivamente a mesma pessoa cumprindo diferentes processos psicológicos. Mas pra quê?

{música}

</INT.>


CROSS


<imagem pai de planta>

<capítulo>

Parte Final ─ PASSIFLORA? FOR SPRING? GROUNDBREAKING.

</capítulo>

</imagem>


CROSS


<EXT? CENÁRIO QUE A NATALIE USOU EM SHAME E THE WEST ─ AMO FLORES ─ GÊNESIS>

{música Ophelia da Lena Fayre, sim, tudo a ver, tô falando que as referências a Hamlet em Melancolia tão mão-pesada demais; me agradeçam depois}

Então vou fazer um vídeo de um minuto pras redes sociais e avisar a todos que as pessoas que governavam a minha vida para o mal no Banco Central do Brasil em Brasília serão destronadas para sempre. Não querer discutir auteurismo foi o que me colocou nessa situação pra começo de conversa. Não foi? Pra bom entendedor um video-essay basta. Tem uma cena em DLU ótima que eu deixei pra falar agora porque não serviu ao propósito de concordar com o argumento que eu tava fazendo na hora. Quando o DiCaprio liga pra casa bem no começo do filme ele pergunta como que o filho tá com a troca dos remédios, solid-four. Eu acho que todos nós merecemos um solid-four. Weak-five é matéria-de-sonhos. Por mais que eu queira tirar-onda, esses dez anos foram dez anos de muita coisa. Eu acho que o encontro entre esses dois filmes ilustra um pouco essa progressão na direção de uma sociedade cada vez mais conscienciosa sobre problemas mentais e neurodivergências e deficiências, enquanto simultaneamente seduzida a flertar com o antimedicalismo como um dos ramos fáceis dum sentimento anticapitalista mal-engendrado. Eu não defendo a instituição hospitalar, muito menos a história dela. Mas tem um lugar reservado pra sagacidade de perceber o que é análogo-ao-pátio-da-prisão-como-as-motos-são-aos-jeskis e o que é serviço essencial pra manutenção da sua vida e funcionalidade. Sim, todo doente mental leu Vigiar e Punir e de la Folie, e daí? E, isso é importante, é aí que tá o cirúrgico da nossa década nesse assunto, que a manutenção da funcionalidade, inclusive, não é sobre alimentar o sistema. Sistema nenhum tá muito-preocupado. Te-garanto, faz falta não, bem. Não tem nenhum sistema sendo derrubado amanhã se cê amanhecer na vertical, isso eu te garanto. Oh yes, Mary, your maladaptive behavior is a very rational and valid anticapitalistic action [no its not]. Deixa eu falar, mô. Na sinceridade. Na xinxa. No espontâneo. No sem-filtro, sabe? De coração aqui. Leve e sutil. Pesado e pesaroso. Tô me abrindo pra nação brasileira e eu sei que o pessoal aí de casa vai tomar a melhor decisão grazadeus, o Brasil tá vendo tudo, o povo é quem diz. Vamos ser vulneráveis? Ein, internet, vamos nos deixar entrar pelo outro aqui-agora? Mask-off. Fui pego. Sim, scrolla esse mega-docs até o fim, todos os prints são meus. Tá bom. Tá bom, então. Tô confortável. Nosso safe-space. Só nós. Os insensíveis ó pfshhhh, pula fora. Empatas only. Só quem tá aberto ao diálogo e à construção coletiva do grupo enquanto algo maior entre todas as pessoas que coletivizam o espaço grupal de pertencimento coletivo no etc etc. Tá bom, mesmo? Tudo bem, mesmo? Sem pressão nenhuma, sem gaslight. Porque quem não tiver pronto pra essa conversa pode avançar, vou deixar os tempos na descrição. E tá tudo bem. A gente precisa normalizar. Mas eu acho ‘ne-ces-sá-rio’. Quando eu tô na merda, vamos dizer, se eu tiver numa crise depressiva, se eu tiver, vamos dizer, às três da madruga-boladona cavando a base da minha gengiva com a unha porque eu não quero ter tártaro e eu não quero ficar com tártaro mas eu já sinto o tártaro porque a quantidade de dias que eu não escovo o dente é basicamente tártaro, mas não consigo simplesmente levantar e ir escovar os dentes, mesmo que eu tenha levantado meia hora antes ou meia hora depois pra ir mijar no escuro do mesmo banheiro em que habita a minha escova e minha pasta de dente, não, não. Melhor. Vamos dizer que quem tá com tártaro é o interior da cuba da minha privada, não. Vamos dizer que o tamanho da unha que eu tô usando literalmente de espátula nos restos de comida que eu já tô satisfeito o suficiente de ter cozinhado e conseguir comer pra ter a audácia de noiar na disfuncionalidade de não escovar os dentes, vamos dizer que o tamanho, poderíamos dizer, é preocupante. Vamos dizer que eu tô em um momento da minha vida que eu sou padrinho de honra dos pares de manchas no chão, do casamento coletivo que virou o meu quarto, vamos dizer, vamos dizer que eu menti sobre ter conseguido cozinhar e conseguido comer mas de alguma forma ainda tem alguma coisa se agarrando nos dentes que eu não consigo escovar e já são 5 da manhã. E eu menti sobre conseguir ir mijar porque é aí mesmo que eu tô noiando na disfuncionalidade da coisa. Palmas pra Euphoria, spot on, na-molesquine. 6 da manhã. Nessa situação hipotética já são oito horas do novo dia e sol a pino e a última coisa que eu preciso na minha vida adulta e bem-resolvida comigo mesmo de orgulho-louco e setembramarelismos é que alguém ‘me entenda’. Que um rando ‘me ouça’, tenha ‘empatia’. Ao caralho com a empatia, ao cu-do-padre. Empatia de cu é lamber antes. Num emergencial, juro pela minha vida e a dos meus patrons atrás da porta, a diferença que isso faz pra mim é mínima. Lógico, entregas flexíveis, rotina flexível, um ambiente que eu possa feder sem-culpa pelo tempo que leva pra eu melhorar, tudo isso é bacaninha nesse contexto. Mas isso não é empatia. Isso é disputa política. Trabalhista, social, econômica, respectivamente. É coisa que individual-e-coletivamente a gente tem que prender no dente sujo e na unha comida quando reexistir alguma energia ou a energia se dobre em ilusões tal-satélite-origami sobre si mesma na mania. Mas processos de conscientização-afetuosa tem, de novo, uma diferença mínima. Beirando zero. Fico sem. Passo. E nesse sentido arte de conscientização-afetuosa no sentido ‘olha como é difícil galera, pra eles é assim’ perde pontos comigo na largada. O que eu quero mesmo, João Carlos… O que eu quero mesmo é que a/o/e psiquiatra da UBS mais próxima aqui de casa não teja de férias. Ou que à/ao/ae que me transferiram no postinho e que vai conseguir me atender correndo sem nenhuma noção do meu histórico ou dos específicos dos meus problemas, a/o/e que vai conseguir mas não sem recomendar que eu tenho que voltar no/na/ne do-meu-bairro porque a organização interna e tal, que esse/essa/essu não teja de férias, também. O que numa pandemia, bem. Digamos que andei. Agora eu tô ótimo, muito obrigado. Faz um tempo que eu tô strong-seven pra mid-eight e isso nunca tinha rolado na minha vida antes, mas na pandemia… A simultaneidade desses dois acontecimentos é uma órbita em colisão por si só. Não quero jogar os profissionais de saúde debaixo do ônibus, hashtag-defenda-o-sus, mas a quantidade de férias só em 2021. Não de novo, Fabíola. Aí não dá. Aí bate de fato aquela tristeza pesada no coração do trabalhador, Fabíola, passei o ano todo de hashtag-hashtags na sua DM tematizando mil desmontes pr’ocê me dar uma dessa agora e desmontar a nossa confiança, Fabíola, cê ficou sabendo de assembleia do sindicato porque eu te marquei no post, muié, sua próxima corrente de greve eu não compartilho, Fabíola, é só cinco-conto a mais comprar esse remédio no paralelo do que com a sua receita em-mãos, o que eu quero aqui é tratamento e acompanhamento profissional. Remédio eu sei tomar sozinho, Fabíola, cê sabe. Se eu sair aqui agora eu acho. Acabou. Depois eu vejo o meu com a associação nacional, tô cagando pra boa-prática. Fabíola, tira esse anel. Não sei pra quê, sou doido, lembra? Lembra? Lembra que eu sou doido? Difícil né, faz tanto tempo que a gente não se vê. Não. Nada não. Deixa eu ver seu anel, não vou correr com ele não, tá doida? Fica com a minha pulseira de penhor, tó. É prata. Não. Quero ver o que tá escrito dentro é que cê falou um dia… Fabíola que praia é essa que não dá marquinha, Fabíola? Onde é que tava o Sr. Fabíola nessas férias vendo cê tirar o bambolê do relacionamento fechado d’ocês? Então quer dizer que cê tá traindo outras pessoas além de mim? Sem Sol? Aqui tinha Sol. Tá vendo? Se cê soubesse que não ia ter Sol cê podia ter me acompanhado da minha casa até aqui pra te procurar porque eu tava morrendo e o CAPS não me atende porque eu não faço o requisito. Cê ia tá só o bronze a essas horas. Ó minha cor. Cê me conhece quando eu não saio de casa, isso aqui é de correr atrás dum único brasileiro que não é vagabundo nessa merda, procurando um juramentado pra ler meus exames. É tudo marmelada, é tudo cotado já no CAPS, eles só atendem os estrelinha, eles tão pedindo é pra eu coringar, aí vai ter vaga…[mais dez minutos desse sketch]. Tem uma galera aí usando Mark Fisher pra falar que no fundo da coisa, onde o Sol não bate e o capitalismo não toca, é saudável, intrinsecamente saudável e ok com as coisas. Work. Eu acho que dormir anoite é um direito universal. Se te faz feliz. É verdade e super-válido que a falta de dinheiro faz parte dos seus sintomas e do porquê da coisa, faz parte dos meus também. O sistema corporativista tem tudo a ver com o caso France Télécom e eu não consigo acreditar ainda que a sentença foi tão inconsequente, mesmo não esperando nada eu não esperava tão-pouco, esse foi meu Depp v. Heard, é isso a última coisa que eu vou pensar antes de apagar pra mais uma noite de sonhos intranquilos, por muito tempo, até bater o efeito dos meus florais. Eu me pego vezes demais imaginando que com mil conto a mais no bolso por mês eu vô tá efetivamente curado e and-then-mental-illness-is-no-longer. É sedutor pensar assim, é, em muitos aspectos da coisa, verdade. Não só na questão do dinheiro, mas opressões diversas, tudo que rolou nos últimos quinhentos a três-mil anos. Não-fosse isso, távamos todos lendários entre plantas e cogumelos. Mas se eu me parar nos trilhos desse processo-cognitivo pra pensar mesmo e fazer um estudo-de-casos eu vou ver que essa verdade é incompleta e lacunar. Porque eu consigo pensar em pelo menos uma dúzia de caucasianos het-cis-norma herdeiros e despreocupados que tavam e tão, por tudo que eu sei, legitimamente pas-san-do-mal em termos de saúde mental, que já tavam desajustados e disfuncionais quando eu conheci eles, que tavam no fio da coisa, literalmente. Isso que eu conheci porque minha graduação toda foi um longo casamento da Justine. E eu não aceito o hegelianismo furado de ‘trauma do opressor’, passa fora. Vai ler Richard Wright e Amos Wilson. O que o exemplo serve pra ilustrar. Mesmo descontando esses exemplos contemporâneos, é imprudente analisar sociedades pré-coloniais sem perceber na estrutura tecnológica massiva de como essas diversas sociedades se organizavam na função de ajudar seus indivíduos em dificuldades inerentes ao gracejo de ser gente, ou sem perceber os índices fortíssimos de como elas lidavam com diversas questões psicológicas e mentais e de lelés. Ou seja, em abstrato, não é uma questão de como as coisas tão agora, apesar de como as coisas tão agora pesarem pra caralho em como e quanto e quando que essas paradas psicológicas se manifestam pr’ocê e pra mim. Justine, it tastes like ashes pra mim também de três em três horas quatro vezes por dia, quando eu tô na pira, mas eu não posso me dar ao luxo de fazer nojeira. Eu entendo, eu sou ‘empático’ à situação. Mas tem hora que a hermenêutica da empatia é um distanciador entre a pessoa e a parte dela mesma que tá com a pele em jogo na parada, entre a pessoa e o rabo dela mesma que ela se tem que tirar da reta. O que eu mais odeio na campanha setembramarelista e é uma coisa amplamente sabida por quem tem uma vida toda de lida com saúde mental é que as coisas são orientadas e dadas-linguagem a partir da e para a acepção de neurotípicos e gente Normal®. Eu não posso me isolar do fato de que eu com treze anos tava pulando por cima da gradinha da classificação indicativa em público pra argumentar alguma coisa que dizia sobre mim, assim como agora eu não posso fingir que eu simplesmente não suporto esse personagem porque ele me deixa gatilhoso de lembrar dos quem-tá-começando e os momentos absolutamente irresponsáveis e, o pior de tudo, válidos, de quando eu não sabia lidar com nada. E isso é injusto. Isso é gatilhoso pra outras pessoas. Gatilhoso pra fulaninho que precisou desgraçar a vida dele inteira pra se assegurar num mês de ISRS e finalmente perceber que a conta não fecha quando na posição que ele tava defendendo a vida toda antes disso de que querer morrer, de alguma forma, fez dele um sujeito mais crítico. Não tem nada nesse mundo mais 'de alma' que uma pessoa medicada & puta com algum problema, isso eu te digo. Justine me lembra de mim circa 2011, assim como a JLaw. Porque é a minha experiência estar-começando com treze. Tem gente que ainda nem começou, e é válido. Tem gente que nunca vai sair disso que eu boto no campo semântico do começo e é absolutamente válido também. Mas se eu não empurrar essas cinzas com um gole d’água agora, agora, vai, engole, Justine, me preocupa. Se eu não engolir com farinha, se eu não conseguir, me preocupa que eu não vou ter estamina pra montar as urnas funerárias das três refeições adiante. E esse cíclico vai ficando cada vez mais estreito ao eixo concêntrico. Vai chegando. Porque com treze anos eu tava perigoso e perigando demais, e eu não quero isso pra mim com vinte-três. E se eu não tiver de pé pra passar essa ninguém vai fazer pra mim. Sim, é o capitalismo-tardio, mas é sua vida. Sim, é triste demais, mas ainda é, segura esse verbo. Se o gosto já não faz diferença joga a creatina junto, desce com café, fuma um prensado sem procedência. Seilá. Seilá o que que cê tem que fazer pra lidar com isso, Justine, e o filme também não. Tira o pin da mãe delas, é hora. Pelo menos a Gaby sabe o que fazer pra ir rolando morro acima, ela tem a personalidade dela, o yogazinho dela de manhã, seilá: ser vegana, provavelmente. O capítulo da Claire é aberto pela jornada coletiva dessa especie de núcleo familiar tendo que lidar com o perigeu da crise depressiva da Justine, que é, por si só, lacunar. Anedonia de onde e em relação a que, quando a gente nunca viu a pessoa fazendo absolutamente nada que gosta? Menti. Tem os cavalos. Essa é a função dos cavalos. Tá vendo como a gente pega uma narrativa? Eu tô nas capacidades de dar um curso, ein. Chama inbox. O problema com os cavalos é que quando colocados no contexto do diálogo final das irmãs, os motivos pelos quais ela caga na boca da Claire ficam ainda mais hipócritas, mas duma hipocrisia desinteressante. Quer dizer que morrer no terraço bebendo merlô é mais bougie que ter hipismo como hobbie? Peralá. Cê chegou de limo aqui, gata. Não tem nem essa opção de Uber onde eu moro. Parando pra pensar na questão das representações e os-carai, a impressão nada-sutil é de que a estrutura narrativa nos convida a simpatizar com a condição das pessoas circundantes. Tem essa camada que é só sobre lidar com o doido. O doido: desagenciado. Quem tem que dar banho, quem tem que ouvir, quem tem que isso, quem viu ela aquilo. Por um tempo eu animava essas cenas imaginando que a Justine tava coçando uma siririca frenética por baixo das cobertas quando na posição fetal, porque o ser humano tem que fazer alguma coisa. Não existe essa crise depressiva cinemática na vida real, fica-sem-dizer. São ricos os aromas do ninho em que o pássaro soturno da melancolia resolve pousar. É lógico que eu quero alguém pra me ouvir, Setembramarelo. Todo mundo quer. Toda hora. Chama linguagem. Focar na audição, em primeiro lugar, alinhava a ostracização do doido com o ponto-simples de uma escolha desatenta. Por vezes a gente escolhe ignorar o doido, por vezes válidas. Vou trabalhar isso no próximo ensaio. Óbvio que todo mundo quer uma companhia e se perceber propositalmente desacompanhado por outras pessoas é barra. Boto fé demais, é osso. Sim, todo mundo quer alguém que ouça. Chama reclamar. Chama twitter. Mas eu te garanto por tudo que é mais sagrado que não é o coleguinha que era eu quem tava ajudando semana passada que eu quero que me ouça. O coleguinha que compartilhou girassol e abriu DM. A unica DM que ele devia se preocupar-com é Distrito Medico, o coleguinha. Tô zoando, calma. Mas é por aí mesmo. O coleguinha não tá sabendo. Eu não tô sabendo. A gente vai ficar trocando gatilhos ad inf nessa troca, nesses translados-afetivo-dengosos, não importa o quão límpida e patética e alinhada com o bom-discurso nossa linguagem for. Nenhum de nós é maior que nós mesmos, nenhum par de doidos é uma comunidade. Nem ser o alguém pra ouvir eu quero mais. Me libera, deixa eu picar saída nesse cartão. Curta e compartilhe. Eu quero o SUS. Me dá o SUS. Setembro, me vê um SUS no capricho. Eu quero o CAPS com verba suficiente pra atender doido que não tá dando trabalho ainda. Então vendo a Justine chegar carregada no castelo medieval da irmã na parte dois, enquanto um empata, eu sou imediatamente levado a perguntar: o que é que essa mulher, a Claire, tem pra oferecer em uma situação como essa? Não tô ligando pro manicomial, sem sirenes hoje. Longe disso. Não vou nem entrar nesse mérito, muito obrigado. Mas cadê uma enfermeira? Hm? Cadê um desses médicos de romance de século XIX pra brotar do lado da cama dela com uma maletinha de coiro e um estetoscópio pra gelar o peito dela de volta à vida, cadê uma camareira pra chamar o padre se a boca começar a ficar azul? Gente, cês não tem vergonha de abusar do mordomo d’ocês? O coitado do Littlefather que é a nossa única lenda proletária nesse filme todo tá todo se-cagado de desvio de função e não tem um sema ou índice simbólico sequer sendo usado nessas duas horas de película granosa pra tematizar isso. O cara é velho, espero que o ator não leia isso, mas o companheiro tá precisando espaçar os pés numa banquetinha na frente duma cadeira de balanço, porque ele vai juntar eles muito em-breve. A cena das malas é sobre o John, sobre as picuinhas, talvez só de relance pegando como isso se derrete e pinga nas classes mais baixas. É sobre disfuncionalidade familiar, talvez com um pingo de critica. O Littlefather indo visitar a família pra morrer com eles é um comentário sobre os tories, não sobre o empregado em si. Quando que eles iam imaginar que o cara tinha família? Quando que eles iam imaginar que ele ia querer morrer fora de função? A graça da coisa é nesse-nível. Não é como se cês não pudessem vender um buraco de golf pra pagar profissional do ramo, sobrava grana, inclusive, pro cafezinho dos palhaços contadores de história em volta da maca dela. Cadê a infraestrutura que denuncia que a galera preocupada com o doido tá realmente levando a depressão a sério enquanto uma do-en-ça? Dê, o, ê, ene, cê-de-rabo, a. Ein? Setembramarelo? Quando a Justine vai lá nas estantes que não fizeram nada pra ela, estantes essas inocentes de qualquer coisa, se manifestar a favor da mímese da desgraceira, dos problemas que são só dela sendo representada na arte caríssima dessas porra off-set mais de quinhentos conto cada, o framing é de triunfo, do arrebatamento da genuinidade em oposição à poise e às pompas da société. É um espasmo de gênio e humanidade dela. Arte-que-é-arte é arte tristonhazinha, é a pegada da coisa. Mas quando a gente tem o John vitorioso no afastamento do Melancholia, o filme corre pra pegar o planeta de volta como se tivesse derrubado ele na ladeira. A Justine é impossibilitada pela narrativa de encarar a possibilidade de que ela escorreu-cocô-na-parede da própria vida sob o pressuposto de que já era. A morte como inevitabilidade num futuro-próximo é uma prerrogativa da ideação suicida, não é? Mas e aí? A gente tá romantizando, ainda, essa porra? Bom, sim. Invariavelmente. É sobre. E se por um relance cê tiver que encarar a falha desse prospecto, se por um relance a Justine tivesse errada ou se convencesse errada por uma morosidade maior do Melancholia em voltar rasgando. Imagina o conflito. Imagina o como isso tematizaria de forma adulta a ideação suic!da. Imagina a tristeza. Uma tristeza real e impalpável de receber sua vida de volta na sua mão, sua vida ainda molhada, empapada e puída, tendo que encarar de novo uma parada que cê encarou antes como uma escolha racional e lógica, pesando pesos, enquanto uma dessas alternativas se esgarça mais, e mais, e mais, e mais… Mas não. A Justine não tem que encarar o que é realmente tenebroso nessa coisa toda, nem a Claire. Viver o trauma de continuar vivendo não é uma coisa que o filme quer ter que explorar, porque ele tá na crista da ideação ele-mesmo, surfando rumo ao horizonte: Melancolia vem! Talvez o John teria, talvez o John, por mais ròla-bosta que ele fosse, tivesse a sagacidade de chegar nela e perguntar ‘e agora, Justine, o que cê vai botar nesse buraco do seu currículo?’, já que ele não gosta dela, e não-gostar às vezes é uma lente útil. Mas ele se-fez-ouvir entre os cavalos. Esse é outro problema que o filme se apronta em resolver rápido demais. Em Melancholia o sofrimento é puramente estético, assim como em Nymphomaniac a violência é estética, assim como alguma coisa em Antichrist também deve ser. E a arte, enquanto projeto do próprio auteur, vai de chàzinhos e garrafadas quando precisava de Cialis.

{/música}

</EXT?>


S/


<INT. MEU QUARTO ─ CONTRA A PAREDE MAIS BACANA ─ DIA>

{música outro, que é a vinheta ao inverso, que fez papel de intro}

Aproveitando esse clima shakespeareano o próximo vídeo a gente vai tá analisando New Moon (2009) & Romeo and Juliet (1597). Pano pra manga. Deixa o like, compartilha, me apoie no Patreon. Se inscreve no canal. Comentário não precisa muito, deixa um emoji só que já ajuda no engajamento. Coloquem 🌌 pra mostrar que assistiram até aqui. Repito, não precisa comentar mais que isso. E cês toma cuidado que eu sou viciado em mutar e dar block. Vi─ci─a─do. Paga pra ver. Aqui não é Jeff Buckley VEVO não, nada de ficar comentando quem da família d’ocês morreu. Zero amizade. Zero tolerância pra formação de comunidade e trauma-bonding. Até mais. Tchau-tchau-tchau.

{/música}

</INT.>


FADE TO BLACK


<imagem fundo preto>

<texto rolando os créditos e o alfabético dos patrões>

{música essa versão de Sou Seu Problema}

.

{/música}

</texto>

</imagem>

2022 junho

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