mais uma graça do genos da resenha

 

<html>

<body> 

        <p> se colocarmos a literatura, <!--/c.a.-->, em termos genéricos, <!--só de zoas,--> como a arte da palavra, no contexto estrito e específico de sua definição teórica do início do século XX, <!--ou XXI, que me corrijam os retentivos,--> nos baseando em-(n)a origem documental, massuda e scriptofílica, retroativamente imposta, yadda yadda, <i> a arte da palavra escrita, </i>, so on & so forth, é possível acompanhar uma visão datada e nostálgica do fazer literário, é dado, no supérfluo, em linhas gerais e passadas pretensamente geniosas, <!--/vf.trad--> como que se abre aos olhos lidos, sobrenome em maiúsculas, vírgula, nome, abreviação à gosto, <b> Literatura em Perigo, ponto, </b> n-arábico ed., alguma editora, 2007 no original, <!--/vf.-->, o ensaio do Todorov, o tal, <!--fons et origo de muitas azias minhas,--> que recorre a essa escolha desde a vera partida, desavergonhadamente, num movimento claramente conservador, velhado <ins>pentelho-branco [sic],</ins> descrevendo como chave alegórica sua própria infância na biblioteca/casa de seus pais, um palácio de couro, um museu de traças, aos livros, personificados, é dada a posição de protagonismo de sua gênese literária, o iluminamento, o clareamento, <!--em todo denotativo que as coisas muito branquinhas foram pegas tendo quando na-distraída dos outros, em oposição às trevas em qualquer qualitativo, como denegrir, como o breu, sei lá, não lembro bem como me comunicar a esse ranço de linguagem, não sei nem se compensa, zero paciência pra neigro corrigindo uma língua cuja função é essa mesma, mas é patente, tá aí, tudo que muito molemente explicaria com gosto alguém recém-começando na militância, portanto senso-comum, muitas vezes o que se-tem que fazer, dizem, disseram, quer-dizer--> o seu despertar consciente pro mundo das letras, com quem se enamora ao longo do texto, <!--QUELQU'UN M'A DIT Carla Bruni LEG PT FR--> sem que haja qualquer análise sobre essa primeira curadoria bibliotecária do tipo de arte que lhe haviam proporcionado usufruir, classe nada além de cognata de sala ou room ou claustro. </p> <p> Sua inquietação com o mundo material e as coisas mundanas são ecoadas em cada exemplo, <!--não usufruí de cotas, justamente não, diferença não faria, meu nome se dispõe à consulta sempiterna no segundo lugar da primeira chamada de ampla concorrência, desde o primeiro período letivo de doismil-e-dezessete, nem poderia se quisesse, muito por culpa dos SESIs mais marginais na rede em serem incógnitas rasas nas diferenças entre o ensino público e seu não, ou não, o que não importa, o ponto é que por muito passei por alto echelon em termos de instrução formal, em termos de provar no papel, mesmo não sendo, melhor formulando, mesmo com a pouca idade fui infiltrado (ou de melhor agenciamento tencionado: me infiltrei) no que há de raaaaafinado no que há de pensamento, ok, percebo sempre, em momentos em que sobrancelhas saltam no quão melhor minha má-lida é em relação à educação tutelada dos grandes jardins e villas, não o ponto também, mas é dessa mobilidade que percebo o crasso do elitismo malsão de não saber que os pobres são tão ou mais possuintes de cultura, digamos, que por inocência a intelligentsia de berço se esquece, parece até simples, com que granas comprarem os livros teriam estes aí de chinelos de dedos derretendo no asfalto, pensam, mesmo que o progressismo os proíba de assumir, já viram? já se sentaram em poltronas de plantas-trançadas e foram pressupostos, preconceituosamente, burros por serem proletários ou burgueses pela presença de qualquer-que-seja altivez de pensamento? já tocaram, talvez, as liras do pertencimento às vibrações ressonantes das taças de cristais, por um talento a mais, por um mísero possuimento de brio? aqueles com as chaves se aconchegam com a caixa do tudo-que-há-de-ruim com quem, como Todorov, que coroa negações ao real de que qualquer leitor, crítico a próprios méritos, possa desmerecer a Cultura de-grande-c dos salões parisienses, e que o possa embasado, que o possa seguro de si, que possa passar a vergonha terceirizada que passei ao ter que analisar de perto esse escrito--> instâncias em que o impresso lhe serviu de refúgio, e o antagonismo é transferido dos garotos e garotas de sua classe social ao Regime, <!--se me refugio na psicanálise é pela força de síntese, sossegando minha preguiça por me poupar de maiores divagações--> ambos se colocando entre sua relação íntima (de até desconfortável descrição, tamanho gozo) com a Grande Literatura, <!--On me dit que nos vies ne valent pas grand-chose <br>Elles passent en un instant comme fanent les roses <br>On me dit que le temps qui glisse est un salaud <br>Que de nos chagrins il s'en fait des manteaux--> esses e outros pretendentes ao <ins>seu</ins> afeto <ins>ou o</ins> da literatura em si são repelidos por ele, sua lógica de consagração se declara incorruptível porque atrai pro seu cerne o conceito estrito do <i>erudito.</i> O Partido <!--revele-me, Todynho, no boneco, nessa marionete chamada língua, onde o grande P. te tocou-->, pra ele, é univocamente a propaganda ideológica e a censura, <del>fazendo o papel gatilhado dos velhos libtards que arrepiam os pelos do cu com o chiste mais que manjado de que ‘Stalin matou foi pouco’</del> enquanto no estrangeiro o esperavam as promessas brandas de liberdade individual; as oposições ficam cada vez mais claras quando se deixa discorrer sobre o apreço pela estética iluminista, é dividido, então, o político e o apolítico, o ideológico e não-ideológico, <!--como um ping-pong controlado daqueles vídeos chineses se-pá com os caras por trás de tudo vestidos de chromakey, o café-com-leite de quem não quer se envolver com o grosso de que tudo é político, atitude afim dos desistentes--> separando tais corruptelas desse outro estado puro e original é feito o lugar neutro da literatura. O recorte é dado nos limites do romance clássico. Seus invasores, com seus falsos jeitos de amar a sua amada, <!-- <del> <br>Pourtant quelqu'un m'a dit que tu m'aimais encore <br>C'est quelqu'un qui m'a dit que tu m'aimais encore <br>Serait-ce possible alors?</del> <br>And my jazz collection's rare <br>I can play most anything <br>I'm a Brooklyn baby <br>I'm a Brooklyn baby--> são divididos em três grupos: os estruturalistas, os niilistas e os solipsistas. <!--I <del>can’t</del> get down to Beat poetry--> Essas formas austeras <!--ah, hipercorreção, faça de mim arauto dos seus erros, quis dizer outras, quis dizer distintas, o que quis dizer é simples e é esvaziado pelo que me vem à pena ou à língua; mas liberdade não é sobre fazer o que quiser, não, não obstante, ou talvez sim-obstante, porque quando se quer já é tarde demais--> de definir e se relacionar com o objeto literário são descritas como apêndices do que é realmente a boa literatura, ocupada apenas da questão humana, neutralizada, praticamente hipotética. </p> <p> Aos estruturalistas ataca junto com o ritual de mea culpa, por ter usado sua <!--essa, a estruturalista, não sei se dando muito crédito, não sei se desacreditado pela morte do que fora o auteur, ser contemporâneo do texto, distinto de si--> teoria pra se desviar das preocupações que seu país <del>leia-se o grande mastro das bandeiras rubras</del> o impunha; seu problema central é relativo ao experimentalismo, de Mallarme, no francês, e a todas as vanguardas, se opondo à exaltação, que declara vigente na falsa erudição, da plasticidade da forma e da iconoclastia, <!--ay ay ay que dolor que pena de mi afectación--> fatores direcionados criticamente <del>como cuspiradas certeiras</del> a esse <i>sagrado</i> literário que defende <!--como se disso, como se da visão incorrupta dessas ruínas dependesse sua sanidade, suas pregas psíquicas, ao que parece dependem, mas, por extensão, por umbiguismo, a todos nós?-->. Aos niilistas ataca o <i>desespero</i> e o <i>despropósito</i>, usando ‘obscenidade’ <del>como quem diz ‘alas, maldito, desgraçado, ratuno Jüdischer-Bolschewismus, ah, malditas bichas, pretos, pobres imundos, cães fagorregurgitadores de arte degenerada, oh, bestas ferozes nos canos de chumbo, tombando em gozo culposo as colunas eretas dos impérios’</del> como termo específico do que não seria <i>útil</i> em termos literários pra congregação pacífica da humanidade em torno dos símbolos saudáveis e redentores. Ao solipsismo <!--como se não fosse solipsismo o suficiente se quebrar em bronha-erudita em um cômodo empoeirado, já estive aí, patrício, não é bem um juízo de valor, ainda me encontro aí, algumas vezes, identificado enquanto a vida nos espera calorosa como um colo pra além dos pórticos que erigimos em nossos sonhos, mas não moro mais aí, já que desisti, eis a chave, da minha carreira acadêmica--> ataca a atitude anti-natural do isolamento e a narrativa que não se propõe coletiva, <del>lê-se bougie,</del> a que se fecha ao redor da figura do autor sui-generis, demonstrando por exemplos ao longo do ensaio a real função comunicativa <!--sem comentários--> da arte que define, a arte real, porque pra ele a literatura poderia ser resumida a uma 'comunicação inesgotável', <!--mas a quem, Tody, com quem, por quem, quem é que se expressa ou se sente exprimido em tais linhas, senão (a) nós, os calhordas?--> mais uma vez <!--o humano--> se materializando como uma unidade de pessoas com interesses e necessidades iguais às que se estabeleceram com o advento do romance puro e europeu, <del>como se dissesse que é daí mesmo que surgiram as grandes coisas, quando na verdade todos nós sabemos…</del> como se esse vislumbre fosse coisa universal. Talvez até seja, pros mais coitados que conosco. </p> <p> O caráter intimista do relato institui honestidade e veracidade como propostas, mesmo que leves, que se colocam ao longo da narrativa como um certo apelo à autoridade, uma instância de 'relação ideal' com uma matéria literária específica, que justificaria sua capacidade e lucidez em oposição ao obscurantismo que combate. Todorov inaugurou o subcautelamento da linguagem pelo corporativismo do mínimo divisor comum no âmbito das artes, e isso eu não vou esquecer nunca. Seu ascetismo remonta à infância no ímpeto de estabelecer sua estética normativa pelas experiências que teve, com um purismo pré-sexual e pré-púbere capaz de encantar senhorinhas, famosas por sublimar assédios, e há aqui o maior indício dos que apontarão ao individualismo-coletivizante como fonte centralizadora do argumento de Todorov, explícito em algumas passagens: a literatura serve pra reafirmar a humanidade de pessoas como ele, que nutrem as mesmas preferências e que são em si e a princípio humanas, sui generis 🙵 a priori.

</body>

</html>

É inegavelmente particular a cada um de nós as narrativas de como a literatura se faz útil em nossas vidas e a conclusão mais a propósito dessa experiência, no nosso século, é crer sem dúvida alguma que existam outros usos e utilidades possíveis a ela, mas isso o escapa. Pra voz-autoridade de Todorov a literatura é unguento, tem natureza medicamentosa ─ tem que ter ─, e é essencialmente e reafirmadamente humana ─ conceito que não se discute a sério, por motivos óbvios ─, e, não sutilmente ele afirma, a aplicação, a dosagem e seus métodos pertencem à tradição francesa, onde tal ciência foi melhor desenvolvida.

A estrutura argumentativa pressupõe que o juízo de valor sobre essa literatura seja naturalmente inquestionável pela quantidade de labor intelectual neutro ─ lhe foi atribuída; ao contrário daquilo que descreve como 'fé comunista', alinhada ideologicamente com instituições de poder, um sistema de valores alheio ao do refúgio de livros que recolhem e ninam a memória e herança de sua família abastada. A globalidade exasperada que o texto literário nesses termos impõe a si é, mais uma vez, neutralizada pro locus específico do sujeito europeu. Quando se propõe a ajudar o sistema educacional francês com sua expertise, um pseudo-problema de matriz, revelado a si por meio de seus filhos estudantes ─ não nos escapa o manso-afirmativo do pepel da família do relato, como mote conservadorista, como recentemente pôde ser visto no banimento de termos 'raciais' por regiões dos EUA ─, Todorov garante a defesa de um espaço central onde discutir o humano, sem filiações ou dogmas, teóricos ou ideológicos, como se sua própria escolha bibliográfica não indicasse um alinhamento claro. No Brasil mesmo nos fizemos tocar pela periculosidade desse argumento quando caído ao campo do real: no apogeu da verve bolsonarista também queriam, e se sabe bem quem, reaver posse dos critérios de escolha dos PLEs; excluindo deles, inclusive, figuras como Rubens Fonseca. Nesse ponto a oposição ao autoritarismo em Todorov revela sua própria versão do mesmo esquema: o ponto em questão não é a existência de um sistema, inevitável em qualquer organização teórica, mas a quem é dado o direito de ditar qual seja. 

O que pode ser dito hoje, então, aceitando como reais as mudanças ocorridas no panorama literário, sem as colocá como uma degeneração de um ideal histórico que se diz supra-história? Primeiro que o grande capital ou as forças do poder estabelecido não veem mais a literatura como a ferramenta principal de afirmação de suas narrativas. Se foi o tempo das grandes narrativas nacionais enquanto gêneros narrativos e impressos. Como nunca se viu antes as apostas migraram de campo, o investimento direto em escritores parece se deter à Guerra Fria, e as especificidades do consumo massificado de arte parecem se verterem à produção de música, cinema e artes-plásticas a nível industrial. Coisas de rápido e repetido consumo, shorts, drops, coisas do tipo. A literatura, ainda hoje, encontra como ponto de resistência simbólica a essa troca de relevância os países com tradição literária substancial, como a França, graças, em parte, aos monumentos erigidos durante a Revolução, a narrando, narrando pra fora de evidência, inclusive, os incongruentes coloniais, associando o valor das letras aos ideais burgueses que agora retornam o favor e mantêm as letras como insígnia do homem civilizado, só por educação.

Questões formuladas por Todorov sobre a educação francesa em outros países, como o Brasil, encontrariam nódoas que precedem os aspectos técnicos e pedagógicos: faltam professores, falta verba, falta alfabetização, falta culhão da classe artística em discutir vanguardismo e qualidade-de-arte, porque isso mexe com o próprio, e já deveras raquítico, Há de se admitir, trabalho. A posição privilegiada que a cultura parisiense tem, sua proximidade com um vasto cânone que a descreva como o centro de uma universalidade, não são colocadas em xeque por tudo que não pôde ser Paris, por motivos estritamente materiais notadamente explorados por outras áreas de conhecimento, por outras linhas e.g. estudos culturais.

A inversão apontada e criticada por ele, onde a teoria literária suplanta a literatura em si, apesar de sua validade no que tange à formação letrada na França, tem em sua solução princípios inegavelmente constritos à cultura francesa, que se passa por universal. O sentimento de que a literatura não serve mais os seus propósitos originais se desperta em Todorov sem que a problemática analise as causalidades fora do locus da escritura e disseminação das obras no âmbito educacional, ao que digo: que se fodam as merdas das suas crianças, pra casa do caralho educar com arte a pivetada dos seus filhos. E sua a análise política se detém às fronteiras da Bulgária, ao que nem sou eu quem diz que é estranho, meio balkan demais, uma vibe um pouco desconfortável. Ele vê, nos escritores que desqualifica, ingratidão perante a forma de nutrição da alma que é essa literatura específica, que é essa figura paterna simbólica do Cânone. 

Abrindo a observação aos fatores contextuais da produção literária, Paris, no esquema estabelecido, é a contrapartida cosmopolita de uma Europa que, desde o século passado, busca se inserir na divisão internacional do trabalho produzindo artigos pra o consumo essencialmente humano da arte de elite; uma guilda de artistas, ou, alegoricamente, um cruzeiro cerrado em si pelas ferragens da torre Eiffel, navegando em círculos existencialistas ao redor dos botes de refugiados, que não são e nunca foram novidade no ambiente europeu. Enquanto não componham à lira, serão direcionados a um dos campos de triagem. À Europa, e temos nós, os brasileiros, toda a década de 70 como prova, só se fogem os artistas. A cultura francesa serve de rito de passagem e como selo de comprometimento pra ocupação física do terreno da França, processo que emula e valida sua retórica introdutória sobre a transferência intelectual de Todorov pra Sorbonne. Um índice tão rasgado pra leitura freudiana que devia ter sido de todo ocultado, concordando ou não com o método não se dá assim munição a um inimigo em potencial.

A valorização do passado francês e seus circuitos artísticos não pode ser feita, em busca de boas discussões, sem levar em consideração as mudanças a nível econômico dos últimos cem ou mais anos. O mesmo poderia ser dito sobre New York, na costa leste, e Los Angeles, na costa oeste dos Estados Unidos, com produções sólidas de suas especificidades alegadas, circuitos especializados tanto na produção de arte de consumo massificado quanto daquela de nichos específicos, sofisticados, por assim dizer. Defender a centralidade de uma ocupação que se profissionalizou ao longo de sua história, paralela à da indústria, é defender, mesmo que inadvertidamente, o monopólio técnico de sua execução. Coisa que Tody parece tranks em fazer.

Pasquale Casanova é perspicaz quanto a isso na introdução do seu livro O Mundo Literário, 'Princípios de Uma História Mundial da Literatura',  adotando termos econômicos ao entrar no misè-en-scene da cidade das luzes, mesmo que se recuando de um prognóstico pessimista; o símbolo Paris se associa a um tipo referencial e lido de escrita, que pretende se inserir numa continuidade tradicional enquanto o contemporâneo, vilanesco, alega a descontinuidade de tudo. O público parisiense precisa produzir em paralelo ao acúmulo de capital, uma cultura que o contenha e o justifique, importando pra si não apenas os produtos estrangeiros, os livros produzidos às margens, mas os próprios escritores, associando e qualificando suas produções em relação a esse alvo retroalimentante: que é valorizar a língua francesa. Não senão por isso são tão analretentivos com o tesouro nacional, não senão por esse exemplo a produção brasileira, mesmo se dizendo marginal, é tão acanalhada pelas normas estabelecidas de bem-escrever.

Importar best-sellers não é o suficiente pra satisfazer a voracidade específica do público parisiense, que Todorov lamenta por se tornar tão globalizado em seu consumo ─ quase, quase, como se lamentasse miscigenação e pluriculturalidade ─ quanto qualquer outro, a necessidade de centralização causada pela riqueza requer que a própria produção dos objetos de prestígio aconteça em seus domínios. Os Estados que se resguardam num forte imagético identitário, o signo da nação como peça unificadora, exemplo típico, tendem a revalidar a relevância de seus clássicos, como se o presente fosse a única possibilidade pra esse passado associado com a pureza, ou o funcionamento pleno desta ferramenta, tendo o liberalismo clássico criado condições propícias a um costume burguês concêntrico e exclusivo, em oposição à rudeza das artes do estado pré-industrial; a se lembrar, quanto a isso sobram algumas nações europeias. A bagagem cultural camponesa que se transfere via êxodo pros pátios industriais e bairros operários só pode ser interpretada pelo sistema prévio dos 'iluminados' que pertenceram em alma ao gênese urbano. O autor afirma que a arte era e continua a ser um conhecimento do mundo, mas continuamente cerceia o acesso do mundo plural, praticamente desconhecido por ele, a essa arte; desconsiderando a possibilidade de outros conhecimentos e expressões díspares que não invencionices de rivais acadêmicos, porque o mundo desse peça é esse. Existe a universidade em que habita e, fora dela, outras.

Repetidas vezes o que se produz sob a égide da globalidade serve aos interesses do mercado a priori ─ o que abre, inclusive, oportunidade pra que eu reitere que não defendo tudo que se produz, inclusive desprezo, também, muita coisa ─, porque é a lógica econômica básica que garante a existência contemporânea da profissão de escritor, e que se serve de seu prestígio e disseminação a posteriori, é suportar qualquer coisa porque antes de profissão isso que se faz e amor e paixão portanto apoiem. Porque o mercado também controla, de forma paralela porém inalienável, os meios de comunicação de massa, e o jogo duplo entre o próprio Todorov e seus detratores. Além da positivação da lógica de mercado, um processo de cunho identitário francês pode ser notado na composição que Todorov faz das necessidades humanas como objetivos alcançáveis plenamente no terreno parisiense.

Paris é como se a primeira fogueira onde dois ou mais humanoides houvessem se reunido. O locus 'livraria' remetido pelo autor é importante na notação desse processo, porque é onde a adoção do sistema comercial é sistematizada e a lógica editorial se confunde ─ propositalmente, pra não ser notada ─ com a história da literatura. Tão superior parece o princípio ativo da literatura que a análise de suas causas pode ser ignorada em detrimento de seus efeitos humanizantes. É como perdoar a Pfizer pelo monopólio de compostos já que, numa lufada de bondade, produziu ─ não de graça ─ as nossas vacinas. A quem é dada essa escolha de recolhimento positivo? Quem controla esse dispositivo narrativo de resgate? Aqui Todorov entrega o jogo.

O ataque ao formalismo-estruturalismo nas cadeias institucionais de transmissão dessa cultura erudita tem como base o retorno de uma acepção sem curadoria do texto literário, sem teorias, ou numa relação em que elas se coloquem em segundo plano em relação ao texto puro. Se assumirmos que não existe negativo ideológico, <del>como pessoas sérias costumam fazer,</del> o vácuo criado por Todorov é ocupado pela macroeconomia e as relações de poder dentro do campo literário, sem análise, sem malícia. O mercado possui função estabelecida na consagração literária e sua atuação acontece nos moldes da afirmação de um gênio em estado bruto, encontrado pelo espírito das letras solidificado em suas instituições editoriais; o paralelo criado entre Três Mosqueteiros e Harry Potter, do folhetim ao best-seller de grande escala, <del>trazendo nas mangas o motto de ‘avante globalização’,</del> é revelador da lógica de consumo sendo normalizada, os índices culturais sendo reduzidos à semelhança e a universalidade nascendo do reconhecimento marginal, simplista e inevitável, das culturas de centro.

<html>

<body> 

A palavra <i>amor</i> desestabiliza ainda mais a relação clara entre arte e economia <!--vide quando escritores mais coitados da nossa cena se metem na enrascada de dizer que 'amam' escrever, quase como se não merecessem serem pagos pelo favor a que lhes é concedido, que é o de exercer um trabalho que não se manifesta com o ônus próprio do trabalho-->, entre produção e relações de poder, porque amar, pro autor implícito nesse texto, <!--terminologias vãs, bem sei eu--> é coisa apolítica, uniforme e incontestável. Os professores, pra ele, mesmo que enrustidamente, ensinam por amor, <!--quanta inocência, meu pai, quanta vontade de segurar o ajuste salarial de uma classe trabalhista--> e por isso se beneficiariam da ausência de análise e historicismo em suas práticas; assim como escritores, supostamente, que escrevem pelo mesmo motivo, em similar monta. Portanto o estruturalismo, o solipsismo e o niilismo nas obras são simbólicos de uma relação doentia com esse objeto de desejo e fascínio, são as mais altas expressões de corruptela. A contemplação do belo como fim, retomada por Todorov de Baumgarten, <del>lá de trás, lá do fundo do baú, do empoeirado das atrocidades</del> só pode excluir aquilo que há de não-belo na condição humana, estando inclusas as obras que o exploram. A recusa da arte como <i>puro entretenimento</i> <!--vf.trad.--> culmina no retorno de sua afirmação como <i>produto</i>, do qual os consumidores, pela lógica mercadológica os detentores do que se define como estética de recepção, possuem a palavra final sobre a utilidade, ou seja, qualidade, da obra. Eis um universo estático. Eis o paraíso dos Republicanos.

</html>

</body> 

A neutralidade, no mundo real, no efetivo da grana, em termos comerciais, é a busca calculada de grandes públicos ─ ao contrário do que se atém Todorov, a quem é o resgate do 'belo' de uma Europa retroativamente excepcional ─; a supressão do identitarismo não-central, da polarização e da polêmica são estratégias claras de isenção dos conflitos causados pelo mercado em fricção com a fisicalidade do mundo, esse sim essencialmente humano, pois é o que sobra, e a inclusão do identitarismo vendável. Se vivo e relevante, Todorov reclamaria do wokeismo nas mídias. E isso é tudo que se há por dizer.

A mímese do caos e da complexidade não é tolerada pelo Todorov de 2007, que simplifica a função do público em espectador passivo, uma forma de cliente a ser servido indiferentemente do vir-a-ser do objeto literário, independentemente do querer-fazer dos autores, que devem obedecer ao decoro corporativista de lhes dar razão, ou seja, assim como Cândido em O Direito à Literatura, em similar monta, o búlgaro naturalizado francês garante cátedra inalienável ao leitor em seu estado de 'pessoa que compra o livro antes de o ler'. Não só como se a escrita não pressuponha a existência de um leitor prévio e crítico, o que já é péssimo por si só, mas que também nega a possibilidade do leitor transformado pela experiência de leitura.

Enquanto afirma metodologicamente a importância do texto isolado, os resultados possíveis já estão traçados pra que seja considerado 'boa literatura', humanidade e realidade não se tensionam. Não há acesso democrático à escrita se nela se acumulam valores exclusivos a um grupo específico, mesmo que sob a tutela da democracia formal. Não há nesse ensaio espaço pra arte que negue o contato com a civilização, que se lê: colonialismo. Ou não se aplique ao acúmulo dessa cultura, individual nas obras e coletiva no tesouro da pátria francesa. O investimento na bolsa de valores da arte não a pode corroer porque isso interromperia o fluxo da linha de produção dessa espécie de Zoloft geral do ocidente, sem o qual ficaríamos à deriva. Todos esses velhotes, muito agarrados aos seus matinais, querem medicalizar todas as coisas.

O livro, ao contrário do que foi previsto com o advento das novas formas de comunicação, não foi substituído enquanto objeto, não se tornou obsoleto em detrimento de outros receptáculos da escrita, logisticamente não está acima ou abaixo da eficiência que tinha, compartilha, apenas, e graciosamente nisso, o espaço com os e-ink no que permite o agarrado da Amazon nesse mercado. 

Porém, o que é verdade quanto a isso, o livro perdeu sua força enquanto simulacro da fala literária, seu único arauto, e com isso, como expressou bem em seus saudosismos Harold Bloom ─ outro que partiu pra defumação ─, entre outros defensores ferrenhos do cânone, quando foram questionadas, como nunca até então, as formas clássicas de consagração artística; estas fagocitadas pelas condições materiais do capitalismo.

A mesma globalização que abre as fronteiras comerciais e bloqueia a circulação de pessoas está disposta a fazer a política internacional de resgatar os artistas expatriados dos outros polos do mundo 'desprivilegiado' ─ melhor colocando, pós-colonial ─, aos quais é delegado o papel subserviente na dinâmica mundial, o de servirem a uma historicidade maior que as deles e emprestarem seus cidadãos a uma causa maior que a própria.

No limite, os blocos econômicos, ou mercados regionais, como diagnosticado por Milton Santos, comportam a importação de mão de obra especializada e exportação dos produtos gerados nesses trâmites aos lugares que, por desprivilegiados, não puderam conter seus artistas. A carreira toda do Ignácio Loyola Brandão foi um pouco essa história, com o perdão de o expor, assim, ao escrutínio.

Todorov, com seu ensaio, faz o call-to-arms daquilo que foge do normativismo clássico 'de volta' à boa literatura do humano em si quando não há, ou houve, arte dissociada de trabalho, portanto dissociada dos modos produtivos, e não há lugar em que qualquer forma de humanidade anódina ─ senão na porra da casinha desse cara, e as crias burrinhas que ele quis botar pro mundo ─ possa ser concebida sem causar um enorme, e, sem dúvidas contemporâneo, a ver o tanto de terceiro-idade enganado quanto a isso, insustentável, até, cringe.


2020 abr

Postagens mais visitadas